> “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração.” (Mateus 11:29, NAA)
Entre os muitos títulos dados a São Francisco de Assis — o Pobrezinho de Cristo, o Amigo das Criaturas, o Santo de Assis — poucos percebem o quanto ele foi, acima de tudo, um pedagogo espiritual. Não no sentido formal da educação, mas como mestre da alma e formador de consciências. Sua vida tornou-se uma verdadeira escola do Evangelho, onde cada gesto, palavra e silêncio ensinavam algo sobre o discipulado de Cristo.
1. A pedagogia da conversão
As Fontes Franciscanas, particularmente o Testamento, revelam que Francisco não começou sua vida como santo, mas como alguém profundamente educado pelo Espírito Santo por meio da dor e da revelação. Ele confessa:
> “O Senhor deu a mim, Frei Francisco, a graça de começar a fazer penitência; pois, como eu vivia em pecados, parecia-me muito amargo ver os leprosos; e o Senhor mesmo me conduziu entre eles e usei de misericórdia com eles. E quando me afastei deles, o que me parecia amargo se converteu em doçura de alma e de corpo.”
(Testamento, 1-3; Fontes Franciscanas [FF] 110)
Nesse testemunho, vemos o método pedagógico de Deus na vida de Francisco: a transformação pelo encontro. Deus não o educou por discursos, mas pela experiência concreta da misericórdia. Assim como Jesus educou seus discípulos na convivência e no serviço, também Francisco foi formado na escola do sofrimento e da compaixão.
2. O ensinamento pelas obras
Muitos atribuem a São Francisco a frase: “Pregai o Evangelho em todo tempo; se necessário, use palavras.”
Contudo, estudos críticos e edições das Fontes Franciscanas (incluindo Speculum Perfectionis e Fioretti) mostram que essa citação não aparece literalmente em nenhum escrito autêntico de Francisco. Ela é, na verdade, uma paráfrase moderna inspirada por um princípio que ele realmente escreveu em sua Regra não Bulada (1221):
> “Omnes tamen fratres operibus praedicent.”
— “Que todos, porém, os irmãos preguem pelas suas obras.”
(Regula non bullata, cap. XVII, v. 3; FF 45)
Aqui encontramos o verdadeiro coração da pedagogia franciscana: o testemunho silencioso, o ensino pelo exemplo, a coerência entre fé e vida. Francisco não opunha palavra e ação — ele as unia no mesmo movimento do Espírito, onde a pregação se torna vida encarnada.
Para nós, protestantes, esse princípio encontra eco em Tiago 1:22 — “Sede praticantes da palavra, e não somente ouvintes.” Assim, o pedagogo de Assis nos recorda que o Evangelho mais convincente é aquele que se torna visível no comportamento dos redimidos.
3. A pedagogia da humildade
O Fioretti — as “pequenas flores” da tradição franciscana — registram que Francisco via a humildade como a base de toda formação espiritual. Numa passagem marcante, lê-se:
> “Um dia, disse o bem-aventurado Francisco: ‘Tens certeza, irmão, de que sabes o que é ser verdadeiramente humilde? É quando, diante das injúrias e dos insultos, permaneces alegre por amor de Cristo.’”
(Fioretti, cap. VI; FF 1843)
Trata-se de uma pedagogia do Calvário: aprender o amor na humilhação, a paciência na ofensa, a alegria na cruz.
A humildade não era para Francisco uma teoria moral, mas um exercício prático da fé — uma escola do coração moldada pelo Espírito Santo.
4. Uma leitura protestante da pedagogia franciscana
Para os teólogos protestantes, especialmente na tradição metodista e reformada, a santificação é também um processo pedagógico.
John Wesley chamava esse processo de “school of Christ” — a escola de Cristo. Ele escreveu:
> “A santidade não é recebida num instante, mas aprendida pela convivência com o Santo. Cristo é nosso Mestre, e nós, seus alunos.”
(Sermon 85: On Working Out Our Own Salvation, Works of John Wesley)
Aqui, Francisco e Wesley se encontram: ambos acreditam que a vida cristã é um aprendizado contínuo de amor.
Enquanto Wesley falava do “caminho da perfeição cristã”, Francisco vivia a “vida de penitência”, ambas expressões da mesma pedagogia divina — o discipulado que nos conforma à imagem de Cristo.
5. Conclusão: o educador do coração
São Francisco de Assis não escreveu tratados teológicos, mas sua vida foi um catecismo vivo.
Ensinou com os pés descalços, com as lágrimas e com o cântico.
Sua escola não tinha paredes, mas campos e praças; não tinha livros, mas gestos e orações.
Em tempos de erudição sem piedade e de fé sem prática, sua pedagogia é um apelo à coerência evangélica.
O protestante que contempla Francisco pode, sem idolatria, reconhecer nele um educador do discipulado, alguém que nos recorda que aprender Cristo é o maior de todos os saberes.
> “O verdadeiro saber é amar a Deus.”
(Admoestação 27; FF 178)
E quem melhor do que Francisco para ensinar essa lição que nenhum diploma concede, mas que o Espírito Santo grava no coração?
Referências Primárias (Fontes Franciscanas)
Regula non bullata (1221), cap. XVII, 3 – “Omnes tamen fratres operibus praedicent.” (FF 45).
Testamento de São Francisco – vv. 1-3 (FF 110).
Admoestações, n. 27 (FF 178).
I Fioretti di San Francesco, cap. VI (FF 1843).
Speculum Perfectionis — não contém a frase “Pregai o Evangelho em todo tempo...”, confirmando a misatribuição.
Referências Secundárias
Francis of Assisi: Early Documents, ed. Regis J. Armstrong, J. A. Wayne Hellmann, William J. Short (New York: New City Press, 1999–2001).
Franciscan Media, “Did St. Francis Really Say That?” (2023).
The Gospel Coalition, “FactCheck: Preach the Gospel, If Necessary Use Words.” (2020).
Aleteia, “St. Francis Never Said ‘Preach the Gospel, Use Words if Necessary’.” (2018).
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