terça-feira, 27 de outubro de 2020

Consolidação do Ministério - vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano



A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano

Ir. Edson Cortasio Sardinha

Partes 6

 

Consolidação do Ministério


 

6. Consolidação do Ministério

            Francisco teve que retornar a Roma por causa da Ordem dos Frades Menores e desejou falar com o Papa Honório e os Cardeais. Sabendo disso, Dom Hugolino, bispo de Óstia, ficou preocupado, pois sabia que Francisco era uma pessoa muito simples; apesar disso, o apresentou ao Papa e aos Cardeais. Diante de todos, Francisco teve oportunidade de falar com intrepidez: falava com tanto fervor, que se movia com os pés como se estivesse dançando. Isso levou a todos a uma comoção. Dom Hugolino permaneceu em oração e preocupado, pois tinha grande admiração por Francisco. Foi nesta ocasião que Francisco se encontrou com São Domingos e ambos conversaram sobre suas Ordens:

 

Depois de terem conversado coisas muito agradáveis a respeito de Deus, disse-lhes o bispo (Dom Hugolino): ‘Na Igreja primitiva, os pastores da Igreja eram homens pobres e transbordavam de caridade, não de cobiça. Por que não fazemos bispos e prelados os vossos frades que se destacam entre os outros pela doutrina e pelo exemplo?’ Surgiu, então, entre os dois santos [Domingos e Francisco], uma porfia, não para ver quem respondia primeiro, mas porque um cedia ao outro a honra e, assim, queria obrigá-lo a responder antes. Na realidade, superavam-se numa competição de mútua veneração. Por fim, a humildade venceu Francisco, para que não se oferecesse, e também venceu Domingos para que, respondendo primeiro, obedecesse humildemente. Disse, pois, o bem-aventurado Domingos ao bispo: ‘Senhor, meus frades já foram promovidos a um bom grau, se o souberem reconhecer, e, se depender de mim, não permitirei que assumam outro tipo de dignidade’. Depois que ele fez esse breve discurso, São Francisco se inclinou diante do bispo e disse: ‘Senhor, meus frades têm o nome de menores para não presumirem ser maiores. Sua vocação ensina-os a ficar embaixo, seguindo os vestígios de Cristo, e, dessa maneira, na glorificação dos santos, serão mais exaltados que os outros. Se queres que produzam fruto na Igreja de Deus, conservai-os no estado de sua vocação. Reduzi-os ao chão, mesmo contra sua vontade.  Por isso, pai, eu vos suplico: para que não sejam tanto mais soberbos quanto mais pobres, nem insolentes com os outros, de maneira alguma permitais que sejam promovidos a prelaturas’ (2Cel 148.2-11).

 

            Como se percebe na transcrição acima, Francisco tinha uma grande preocupação com os pobres, por amor ao Senhor: chegava a pedir roupas e peles aos ricos para dar aos pobres. Também tinha um carinho especial pelas ovelhas, pois elas representavam, simbolicamente, o Ministério do Senhor Jesus: por duas vezes, comprou ovelhas que estavam para ser vendidas ou eram maltratadas; uma delas ele doou ao bispo, que a encaminhou para um convento, e, a outra, ele comprou e pediu ao próprio dono para nunca mais vendê-la...  Portanto, Francisco tinha um grande amor por todas as criaturas, por causa do Criador:

 

Ao ver o sol, a lua, as estrelas e o firmamento, enchia-se, muitas vezes, de alegria admirável e inaudita. Piedade simples, simplicidade piedosa! Tinha um amor enorme até pelos vermes, por ter lido sobre o Salvador: ‘Sou um verme e não um homem’. Recolhia-os, por isso, no caminho, e os colocava em lugar seguro, para não serem pisados pelos que passavam (1Cel 29.80).

 

Tudo na criação lhe falava de Jesus: tinha, assim, uma cosmovisão cristocêntrica – tudo conduzia a Cristo.

 

Que alegria a sua diante das flores, ao admirar-lhes a delicada forma ou aspirar o suave perfume! Passava, imediatamente, a pensar na beleza daquela flor, que brotou da raiz de Jessé, no tempo esplendoroso da primavera e, com seu perfume, ressuscitou milhares de mortos. Quando encontrava muitas flores juntas, pregava para elas e as convidava a louvar o Senhor, como se fossem racionais. Da mesma maneira, convidava, com muita simplicidade, os trigais e as vinhas, as pedras, os bosques e tudo o que há de bonito nos campos, as nascentes e tudo o que há de verde nos jardins, a terra e o fogo, o ar e o vento, para que tivessem muito amor e louvassem, generosamente, ao Senhor. Afinal, chamava todas as criaturas de irmãs, intuindo seus segredos de maneira especial, por ninguém experimentada, porque, na verdade, parecia já estar gozando a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Na certa, ó bom Jesus, ele, que, na terra, cantava o vosso amor a todas as criaturas, estará, agora, a louvar-vos nos céus com os anjos, porque sois admirável (1Cel 29.81. 3-5).

 

            Francisco tinha, também, profunda devoção pelo Nome do Senhor e pelas Sagradas Escrituras: “É impossível compreender o quanto se comovia, quando pronunciava Vosso Nome, Senhor Santo! Parecia um outro homem, um homem de outro mundo, todo cheio de júbilo e do mais puro prazer” (1Cel 29.80). Cuidava de tudo para que o Nome do Senhor não fosse blasfemado: tudo o que possuía o Nome do Senhor, ele recolhia e guardava, para que o Senhor não fosse blasfemado: até mesmo textos de grupos considerados hereges – como, por exemplo, os Valdenses –, Francisco recolhia com muito temor, pois ali estavam porções das Escrituras.

            Francisco era um homem cheio da graça do Senhor: sua beleza era espiritual. Tomás de Celano escreve detalhes sobre sua aparência física:

 

Era de estatura um pouco abaixo da média, cabeça proporcionada e redonda, rosto um tanto longo e fino, testa plana e curta; olhos nem grandes nem pequenos, negros e límpidos; cabelos castanhos; pestanas retas; nariz proporcional, delgado e reto; orelhas levantadas, mas pequenas; têmporas achatadas; língua pacificadora, ardente e penetrante; voz forte, doce, clara e sonora; dentes unidos, alinhados e brancos; lábios pequenos e delgados; barba preta e um tanto rala; pescoço esguio; ombros retos; braços curtos; mãos delicadas; dedos longos; unhas compridas; pernas delgadas; pés pequenos; pele fina; enxuto de carnes. Vestia-se rudemente, dormia pouco e era muito generoso (1Cel 29.83).

 

                Francisco desejava recordar a humildade do Senhor em todos os aspectos, e a Encarnação de Jesus era, para ele, muito significativa, uma vez que simbolizava total humildade. No dia de Natal, no povoado de Grécio, três anos antes de sua morte, Francisco desejou encenar o nascimento de Cristo. Havia um homem chamado João, muito amigo de Francisco, nobre e honrado, e que tinha um espírito santo e humilde; quinze dias antes do Natal, Francisco mandou chamá-lo e disse: “Se você quiser que celebremos o Natal em Grécio, é bom começar a preparar, diligentemente e desde já, o que eu vou dizer. Quero lembrar o Menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio; e contemplar, com os próprios olhos, como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro” (1Cel 29.84). João fez exatamente o que Francisco desejava. Na noite de Natal, vieram pessoas de vários lugares, alguns com tochas nas mãos; quando Francisco chegou, tudo já estava preparado e ele ficou muito feliz. Fizeram um presépio (manjedoura), colocaram palha, trouxeram um boi e um burro – a cidade de Grécio se tornou uma nova Belém!

Os frades cantavam louvores a Deus pelo Natal. Naquele local, foi celebrada uma missa por um sacerdote convidado, que recebeu “uma consolação jamais experimentada” (1Cel 29.85). Francisco vestiu a “dalmática” (porque era diácono) e cantou, com voz sonora, o santo Evangelho; depois, pregou o Evangelho, falando do nascimento do Rei pobre, e da pequena cidade de Belém. Parecia que Francisco via Jesus deitado no presépio! Ao terminar a vigília, todos voltaram para casa. Muitos animais receberam curas ao comerem dessa palha; mulheres tiveram resultado feliz em seus partos, colocando um pouco desse feno sobre suas barrigas, e muitos homens e mulheres foram curados (1Cel 29.87). No lugar onde foi erguido o presépio, foi construída uma Igreja.

 

O que você destaca no texto?

Como serve para sua espiritualidade?