terça-feira, 16 de junho de 2020

Treinamento Franciscano - A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano Pr. Edson Cortasio Sardinha Partes 1 e 2 Conversão e Início do Ministério




A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano
Pr. Edson Cortasio Sardinha
Partes 1 e 2
Conversão e Início do Ministério

            Este texto trabalha a figura de Francisco de Assis, segundo a ótica de Tomás de Celano (1200-1270), seu primeiro biógrafo. É um resumo fiel da vida e ministério de Francisco de Assis, a partir dos escritos deste autor. Estão sistematizados alguns movimentos de Francisco e a interpretação dos mesmos, baseados nas Obras “Vida I” (ou “1Cel”), “Vida II” (ou “2Cel”) e “Tratado dos Milagres” (ou “3Cel”). O texto foi organizado e parafraseado para dar certa rapidez à história, contudo, acompanhado por referências.

 1. Conversão
            Francisco era um jovem comum, com “conduta e mentalidade mundanas”. Seu nome de Batismo era “João”, em homenagem a João Batista. Vivia na cidade de Assis, na região do vale de Espoleto, na Itália. Foi criado com arrogância e nas vaidades do mundo: era comum este costume entre os cristãos daquela época – os filhos eram educados com muito “relaxamento e dissolução”. Francisco viveu nesta vida mundana até quase os seus vinte e cinco anos. Como está no registro, “(...) superou desgraçadamente os jovens da sua idade nas frivolidades e se apresentava mais generosamente como um incitador para o mal e um rival em loucuras” (1Cel 1.2). Todos o admiravam e ele superava a todos nos atos pecaminosos.  Tornou-se um líder “na vanglória, nos jogos, nos passatempos, nas risadas, nas conversas fúteis, nas canções e nas roupas delicadas e luxuosas” (1Cel 1.3). Francisco era rico e gastava sem reservas os bens do pai: era um “negociante esperto, mas esbanjador insensato” (1Cel 1.3).  No caminho comum de todos os jovens de sua época e de sua condição social, foi alcançado pela graça de Deus. Sua conversão foi um ato soberano de Deus:
..até que Deus o olhou do céu. Por causa do seu nome, afastou para longe dele o seu furor e pôs-lhe um freio à boca com o seu louvor, para que não perecesse de vez. Desde então, esteve sobre ele a mão do Senhor e a destra do Altíssimo o transformou para que, por seu intermédio, fosse concedida aos pecadores a confiança na obtenção da graça e, desse modo, se tornasse um exemplo de conversão para Deus diante de todos (1Cel 1.6,7).

            Antes de sua conversão, Francisco se envolveu numa guerra civil entre as cidades de Assis e Perúsia:

Numa ocasião em que os cidadãos de Perúsia e os de Assis se viram envolvidos em não pequena desgraça por causa da guerra, Francisco foi preso com muitos outros e sofreu com eles as penúrias do cárcere. Os companheiros deixavam-se abater pela tristeza, lamentando-se do cativeiro, mas Francisco exultava no Senhor, ria-se e fazia pouco da cadeia. Ofendidos, os outros encresparam essa alegria na prisão, julgando-o louco e demente. Francisco respondeu, profeticamente: “Do que vocês acham que estou exultando? Estou pensando em outra coisa: ainda vou ser venerado como santo por todo mundo (2Cel 4.3-6)

                Francisco adquiriu uma longa enfermidade – talvez por causa da prisão na Perúsia –, que o levou a refletir sobre a brevidade da vida. Começou a desprezar as coisas que muito valorizava, mas ainda não estava convertido: ele tentava “fugir da mão de Deus”. Após ter se recuperado da enfermidade, “decidiu marchar para a Apúlia, para ganhar mais dinheiro e honra” (1Cel 2.5). Quando se preparava para ir para a batalha, teve um sonho: pareceu-lhe ver a casa toda cheia de armas – selas, escudos, lanças e outros aparatos. Muito alegre, admirava-se em silêncio, pensando no que seria aquilo. Não estava acostumado a ver essas coisas em sua casa, mas apenas pilhas de fazendas para vender... “E ainda estava aturdido com o acontecimento repentino, quando lhe foi dito que aquelas armas seriam suas e de seus soldados” (1Cel 2.4). Ao acordar, entendeu que o sonho era um presságio de grande prosperidade, e que a excursão à Apúlia seria um êxito. Contudo, quando estava a caminho da Apúlia, teve outro sonho.

Foi assim que, uma noite, estando a dormir, alguém lhe falou pela segunda vez em sonhos, interessado em saber para onde estava indo. Contou-lhe seus planos e disse que ia combater na Apúlia, mas foi solicitamente interrogado por ele: - “Quem lhe pode ser mais útil: o senhor ou o servo?” - “O senhor”, respondeu Francisco. E ele: “Então, por que preferes o servo ao senhor?” - “Que queres que eu faça, Senhor?” perguntou Francisco. E o Senhor: - “Volta para a terra em que nasceste, porque é espiritualmente que vou fazer cumprir a visão que tivestes”. Voltou imediatamente, já feito exemplo de obediência e, deixando de lado a própria vontade, passou de Saulo a Paulo. (2Cel 6.5-9).

                Francisco desistiu de ir à batalha: já era a ação de Deus convertendo seu coração. Voltou a trabalhar nos negócios do seu pai, sem deixar que ninguém percebesse a transformação que estava ocorrendo em seu coração. Certa vez, seus amigos fizeram uma festa e o coroaram como rei da festa; mas Francisco aproveitou o momento, quando todos estavam embriagados, para fugir e orar (2Cel 7. 8). Com um amigo íntimo, ia para uma cripta perto da cidade, onde falava do tesouro que estava descobrindo: entrava sozinho numa caverna e retornava cansado e alegre, depois de ter orado ao Senhor e confessado seus pecados. Era uma luta em oração por sua transformação; seu amigo ficava admirado com sua alegria, pois não sabia o que ocorria na caverna.
            Desde então, passou a dar esmolas a sacerdotes pobres e, certa vez, foi a Roma e se vestiu como e com os pobres na porta da Igreja de São Pedro (2Cel 8.7). Para seus amigos, disse que não queria ir a Apúlia, pois tinha um outro propósito e compromisso. Eles acharam que ele fosse se casar; diante da insistência dos amigos, respondeu: “Vou me casar com uma noiva nobre e bonita, como vocês nunca viram, que ganha das outras em beleza, e supera a todas em sabedoria” (1Cel 3.6).  Esta noiva era sua vocação de viver o Evangelho do Senhor Jesus de forma radical.
            Convencido da vontade de Deus, foi a cavalo a Foligno, com peças de escarlate para vender; após a venda, voltou pensando no que fazer com o dinheiro.  Próximo da cidade de Assis, encontrou, à beira do caminho, uma igreja ameaçada de ruínas – a Igreja de São Damião. Na oportunidade, doou todo o dinheiro que tinha em mãos para o padre pobre que oficiava na igrejinha e contou seu testemunho de conversão. O padre não desejou aceitar o dinheiro e permitiu que Francisco ficasse com ele. Francisco então jogou o dinheiro fora, pela janela da igreja.
            O pai de Francisco soube que ele estava morando na Igreja de São Damião; reuniu, então, amigos e vizinhos, e foi buscá-lo. Sabendo que seu pai estava chegando, se escondeu numa cova, que havia feito justamente para isso e permaneceu um mês nesse esconderijo. Comia algum alimento, quando o recebia, no fundo da cova. Todo auxílio lhe era levado em segredo por um amigo. Aproveitou este período de tempo para orar e jejuar, buscando a direção de Deus. “Mesmo dentro do buraco e na escuridão, gozava de uma alegria indizível, que nunca tinha experimentado” (1Cel 5.10).
Francisco saiu do esconderijo e caminhou para a cidade de Assis. Ao chegar, todos os que o conheciam passaram a insultá-lo, “chamando-o de louco e demente, e lhe atiraram pedras e lama das praças”. Quando seu pai soube que seu filho estava sendo insultado como louco, prendeu-o por muitos dias e lhe deu chicotadas, para tentar mudar sua atitude: esta atitude de seu pai favoreceu mais ainda a conversão de Francisco. Seu pai precisou se ausentar para resolver urgências do seu negócio (1Cel 6) e deixou seu filho preso no calabouço. Sua mãe o procurou e tentou mudar sua opinião com relação à sua decisão; como não conseguiu e vendo a sinceridade de seu filho, resolveu soltá-lo. Quando seu pai voltou e descobriu o feito, brigou com a esposa e resolveu expulsar Francisco da região, caso continuasse com sua decisão. Quando Francisco soube que seu pai havia voltado, saiu ao seu encontro, alegre e afirmando que nenhum sofrimento iria mudar sua opinião com relação à vocação de Deus.  Como seu pai percebeu que não podia mudar o coração do filho, apenas desejou recuperar o dinheiro; Francisco conseguiu pegá-lo de volta e o entregou ao pai. Contudo, seu pai, mais tarde, o apresentou ao bispo da cidade, para que, “renunciando em suas mãos à herança, devolvesse tudo que tinha”:

Diante do bispo, não se demorou e nada o deteve: sem dizer nem esperar palavra, despiu e jogou suas roupas, devolvendo-as ao pai. Não guardou nem as calças: ficou completamente nu diante de todos. O bispo, compreendendo sua atitude e admirando muito seu fervor e constância, levantou-se prontamente e o acolheu em seus braços, envolvendo-o no manto. Compreendeu claramente que era uma disposição divina e percebeu que os gestos do homem de Deus, que estava presenciando, encerravam algum mistério (1Cel 6.15).
            O próprio bispo se tornou seu protetor e passou a acompanhá-lo, entendendo que Francisco tinha sinceridade em sua conversão.

2. Início do Ministério
            Desde então, Francisco de Assis passou a andar vestido de andrajos. Certa vez, cantando os louvores de Deus em francês através de um bosque, foi assaltado por ladrões. Quando os ladrões lhe perguntaram quem era, ele respondeu, forte e confiante: “Sou um arauto do grande Rei! Que é que vocês têm com isso?” Os ladrões bateram nele e o jogaram numa fossa cheia de neve, dizendo: “Fica aí, pobre arauto de Deus”. Quando os ladrões foram embora, Francisco voltou a cantar louvores a Deus (1Cel 7).
            Foi, em seguida, para um mosteiro e passou a trabalhar na cozinha do mesmo como servente, vestido apenas com uma túnica. No mosteiro, não conseguiu se alimentar direito e nem recebeu uma roupa velha. Deixou o mosteiro por necessidade, e se dirigiu à cidade de Gubio; contudo, não guardou mágoa dos monges. Em Gubio, conseguiu uma túnica de um amigo e se transferiu para um leprosário: “Vivia com os leprosos, servindo com a maior diligência a todos, por amor de Deus. Lavava-lhes qualquer podridão dos corpos e limpava até o pus de suas chagas, como disse no Testamento: ‘Como estivesse ainda em pecado, parecia-me deveras insuportável olhar para leprosos, mas o Senhor me conduziu para o meio deles e eu tive misericórdia com eles’” (1Cel 7.17). Deus havia mudado o seu coração: antes, não suportava os leprosos, mas, agora, passou a tratá-los como ao próprio Jesus. Antes de ir para o leprosário, quando ainda estava em processo de conversão, encontrou-se com um leproso e, superando-se, chegou perto e o beijou: conseguiu superar o que lhe fazia mais mal.
            Francisco voltou para a antiga Igreja de São Damião; lá, teve uma experiência com o Senhor:

Levado pelo Espírito, entrou para orar e se ajoelhou suplicante e devoto diante do crucifixo. Tocado por uma sensação insólita, sentiu-se todo transformado. Pouco depois, coisa inaudita desde séculos, a imagem do Crucificado, abrindo os lábios da pintura, falou com ele. Chamando-o pelo nome, disse: “Francisco, vai e repara minha casa que, como vês, está se destruindo toda”. A tremer, Francisco espantou-se não pouco e ficou fora de si com o que ouviu. Tratou de obedecer e se entregou todo à obra (2Cel 10.2-6).

                Francisco reparou a Igreja em pouco tempo: foi nesta que, mais tarde, teve início a “Ordem das Senhoras Pobres e Santas Virgens”, seis anos depois da conversão de Francisco, através de Santa Clara, mulher nobre de nascimento – ela se converteu através das pregações de Francisco e foi um estímulo para outras mulheres. Neste lugar, reuniu cerca de cinquenta irmãs, numa vida de oração e contemplação (1Cel 8).
            Trocou de vestimenta e passou a reedificar outra Igreja, que estava abandonada e quase destruída; depois, se dirigiu para Porciúncula, onde havia uma antiga Igreja da Virgem Maria; passou a reformar a mesma e a morar nesta cidade. Nesta época, usava “uma roupa como um hábito de ermitão, cingido com uma correia, e andava com um bastão e com os pés calçados” (1Cel 9.22). Depois disso, passou a pregar o arrependimento, com “linguagem simples e a nobreza de coração”. Começou a pregar em Assis, onde aprendeu a ler e onde veio a morrer. “Em todas as pregações, antes de propor aos ouvintes a palavra de Deus, invocava a paz dizendo: ‘O Senhor vos dê a paz’” (1Cel 10.23.6). Muitas pessoas foram convertidas por sua pregação.
            O primeiro a sentir o desejo de ser discípulo de Francisco foi um habitante de Assis, homem piedoso e simples; depois, veio Bernardo, que o hospedara com frequência e foi convencido de sua doutrina e sinceridade.  Bernardo vendeu tudo o que tinha e deu aos parentes e aos pobres, e seguiu Francisco. Esta forma de conversão passou a ser modelo para os outros discípulos: vender as propriedades e dar aos pobres. Ele tomou a decisão depois de abrir o Evangelho em oração com Francisco e receber a Palavra de Deus.

Por isso entraram na igreja quando amanheceu, rezaram primeiro com devoção e depois abriram o Evangelho, dispostos a fazer a primeira proposta que ocorresse.  Abriram o livro e Cristo mostrou seu conselho: ‘Se queres ser perfeito, vai e vende tudo que tens, e dá-o aos pobres’. Repetem uma segunda vez e apareceu: ‘Não leveis nada pelo caminho’. Acrescenta uma terceira vez e encontram: ‘Quem quer vir após mim, renuncie a si mesmo’ (2Cel 15.6-9).

                Mais tarde, veio Egídio, “homem simples, reto e temente a Deus, que teve uma longa vida, justa, piedosa e santa, e nos deixou exemplos de obediência perfeita, de trabalho braçal, de recolhimento e de santa contemplação” (1Cel 10.24). Depois, veio Felipe: “Seus lábios foram purificados pelo Senhor com a brasa da pureza, para dizer a seu respeito coisas doces e melífluas. Entendia e interpretava também as Escrituras, sem as ter estudado, mas tendo-se tornado o imitador delas” (1Cel 10.24). Francisco teve seus primeiros seis discípulos, pessoas que também o influenciaram, por sua vida, testemunho e pregação. Francisco ficou encarregado de orientar os novos discípulos no caminho do Evangelho.
Certa vez, Francisco se retirou para orar e buscava a graça de Deus, pedindo perdão de seus pecados. Renovado pelo momento de oração, voltou todo alegre e disse aos irmãos:

Consolai-vos, caríssimos, e alegrai-vos no Senhor. Não vos entristeçais por parecerdes poucos, nem vos desanime a minha simplicidade ou a vossa, porque, como o Senhor me mostrou na verdade, Deus nos vai fazer crescer como a maior das multidões e vai propagar-nos até os confins da terra. Para vosso maior proveito, sou obrigado a contar o que vi. Preferiria calar-me, se a caridade não me obrigasse a contá-lo. Vi uma enorme multidão de homens vindo a nós e querendo viver conosco este gênero de vida e esta Regra de santa religião. Parece-me ter ainda em meus ouvidos o seu rumor, indo e vindo conforme a disposição da obediência. Vi que os caminhos pareciam apinhados de gente vinda de quase de todas as nações: vêm franceses, apressam-se espanhóis, correm alemães e ingleses e se adianta uma multidão enorme de outras línguas diversas (1Cel 11.26.5-6).

            Francisco recebeu de Deus a promessa de que seu movimento iria provocar a conversão de muitos homens e mulheres de todas as nações: o movimento iria crescer e passar por provações, mas Deus iria separar os bons dos maus. Neste tempo, a Ordem Franciscana recebeu mais um irmão, aumentando o grupo para oito homens. Francisco, então, imitando o Senhor Jesus, enviou seus discípulos de dois a dois, pregando o Evangelho. Ele lhes disse:

Ide, caríssimos, dois a dois, por todas as partes do mundo, anunciando aos homens a paz e o arrependimento para a remissão dos pecados; sede pacientes na tribulação, confiando que o Senhor vai cumprir o que propôs e prometeu.  Aos que vos fizerem perguntas, respondei com humildade; aos que vos perseguirem e caluniarem agradecei, porque através disso tudo nos está sendo preparado um reino eterno (1Cel 12.29).

            Bernardo e Egídio foram para a cidade de São Tiago de Compostela. Francisco e um companheiro escolheram outra região, e os outros quatro foram dois a dois para os lados que restaram. Pouco tempo depois, quando Francisco desejou revê-los, ele orou ao Senhor e, sem combinar, eles se encontraram e compartilharam seus testemunhos e suas dificuldades. Tinham facilidade para confessar a Francisco suas falhas e pedir conselhos. “Essa primeira escola de São Francisco tinha tal pureza de coração que, embora soubessem fazer coisas úteis, santas e justas, não sabiam absolutamente vangloriar-se por causa disso” (1Cel 12.30). Logo após, chegaram mais quatro homens e foram seus discípulos. A fama de Francisco começou a se espalhar.

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