terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A Irmã Morte

 


A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano

Ir. Edson Cortasio Sardinha

Partes 7

 

A Irmã Morte

 


7.  Irmã Morte

                Francisco morreu no dia 04 de outubro de 1226, em um domingo, na cidade de Assis, onde também foi sepultado. Antes de sua morte, se preparou para este encontro com o Senhor: como sempre fazia, procurou um lugar solitário para ter momentos a sós com Deus, em oração.

Levou para este lugar alguns irmãos mais chegados, para que pudessem protegê-lo das pessoas, e conseguisse, assim, ter seu momento de contemplação.

Neste encontro de oração, buscou, em Deus, o que Ele queria para sua vida: “Buscava, com afã, e desejava com devoção, saber de que modo, por que caminho e com que desejos ele poderia aderir, com maior perfeição, ao Senhor Deus, segundo a inspiração e o beneplácito de Sua vontade” (1Cel 91.5).

Francisco tinha o costume de perguntar a Deus, e abrir os Evangelhos para ver a resposta do Senhor: esta era sua prática preferida de oração. Ao terminar sua oração, abriu o livro e veio a história da paixão do Senhor Jesus, quando o Senhor anunciava as tribulações que deveria passar; para confirmar, abriu o livro mais duas vezes, e vieram palavras semelhantes.

Entendeu, então, que deveria sofrer, antes de entrar definitivamente no Reino de Deus.

            Dois anos antes de sua morte, estava novamente em oração. Foi para o eremitério de Alverne: “Deus lhe deu a visão de um homem com a forma de um Serafim de seis asas, que pairou acima dele com os braços abertos e os pés juntos, pregado numa cruz” (1Cel 94.1).

Duas asas elevavam-se sobre a cabeça, duas se abriam para voar, e outras duas cobriam o corpo inteiro. Francisco sentiu muita alegria pela visão, mas não compreendia o que estava vendo. Levantou-se, triste e alegre ao mesmo tempo, tentando entender a visão.

Neste momento, começaram “a aparecer-lhe, nas mãos e nos pés, as marcas dos quatro cravos, do jeito que as vira, pouco antes, no crucificado” (1Cel 94.7). As marcas eram abertas, como se estivessem preenchidas por cravos: nas mãos, nos pés e ao lado. Da cicatriz ao lado, com frequência, escorria sangue, e sua túnica e calças ficavam molhadas.

Frei Elias teve a oportunidade de ver essas feridas em Francisco, e Frei Rufino pode tocar na sua chaga, do lado direito do peito. Junto com as chagas, vieram dores terríveis, ao ponto de Francisco pedir a Deus para poupá-lo.

Para não ser glorificado por homens, Francisco sempre escondeu estas marcas que recebera de Cristo... Após sua morte, as pessoas puderam, enfim, constatar esse “milagre dos estigmas”, acontecido com Francisco:

 

Contemplavam o corpo bem-aventurado de Cristo, adornado pelos estigmas: ele tinha, nas mãos e nos pés, não os furos dos cravos, mas os próprios cravos, feitos de sua própria carne, pelo poder admirável de Deus, e até como nascidos na sua carne, de modo que, de qualquer lado que fossem empurrados, logo ressaltavam do outro lado, como se fossem um mesmo nervo. E também viam o lado vermelho de sangue (3Cel 5.4-5).

 

                Neste período, Francisco começou a padecer de muitas enfermidades; já sofria de algumas antes, devido a seu estilo de vida de jejuns e mortificações.

Entre as várias enfermidades e as dores dos estigmas, lhe apareceu uma enfermidade nos olhos. Frei Elias obrigou-o a aceitar o remédio e o tratamento médico. Foi levado para a cidade de Rieti para ter um tratamento mais adequado de sua enfermidade; a Cúria Romana estava nesta cidade e o recebeu com muita honra – principalmente Hugolino, bispo de Óstia. Francisco, no passado, o havia escolhido como pai e senhor de toda a Ordem dos seus irmãos, com o consentimento do Papa Honório – mais tarde, Hugolino seria eleito Papa da Igreja, fato que Francisco havia predito tempos antes.

            Hugolino passou a ser amigo pessoal de Francisco e, por isso, “interessou-se, com solicitude e devoção, para que o santo pai pudesse recuperar a antiga saúde dos olhos, vendo nele um homem santo e justo, muito útil e necessário à Igreja de Deus” (1Cel 101.4).

Convenceu Francisco a aceitar o tratamento médico. Os remédios da época eram dolorosos – como, por exemplo, a cauterização com brasas em diversos lugares da cabeça, sangrias, emplastros e colírios. Nada adiantou, e a doença piorava cada vez mais. “O santo suportou isso com toda paciência e humildade, durante quase dois anos, dando, em tudo, graças a Deus” (1Cel 102.1). Durante o tratamento com brasas, teve a graça de Deus para suportar as terríveis dores:

 

Quando esteve doente dos olhos, o homem de Deus foi obrigado a permitir que o tratassem, e chamaram um médico ao lugar. Ele veio, trouxe instrumento de ferro para cauterizar, e mandou colocá-lo no fogo até ficar em brasa. O bem-aventurado pai, animando o corpo já abalado pelo medo, assim falou com o fogo: ‘Meu irmão fogo, o Altíssimo te criou forte, bonito e útil, para emulares a beleza das outras coisas. Sê amigo meu nesta hora, sê cortês, porque eu sempre te amei no Senhor. Rogo ao grande Senhor que te criou, para que abrande um pouco o teu calor, para que queime com suavidade e eu possa agüentar’. Acabada a oração, fez o sinal da cruz e ficou esperando, intrepidamente. Quando o médico segurou o ferro tórrido e branco, os frades fugiram por respeito, mas o santo se apresentou ao ferro, alegre e sorridente. O instrumento penetrou crepitando na carne delicada e a cauterização se estendeu desde a orelha até o supercílio. As palavras do santo testemunham melhor a dor que ele mesmo sentiu. Quando os frades, que tinham fugido, voltaram, o pai disse sorrindo: ‘Covardes e fracos de coração, por que fugistes? Na verdade, eu vos digo que não senti nem o ardor do fogo, nem dor alguma em minha carne’ (3Cel 14.1-11).

 

            Seis meses antes de sua morte, estando na cidade de Sena para cuidar da doença dos olhos, começou a ficar gravemente enfermo em todo o resto do corpo. “Seu estômago se desfez pelos problemas contínuos e por males do fígado, e vomitou muito sangue, parecendo estar quase à morte” (1Cel 105.1).

Quando Elias chegou à cidade, Francisco melhorou e pode ir com ele para a cidade de Celle, perto da cidade de Cortona. Ao chegar na cidade, sua enfermidade piorou. “Seu ventre se intumesceu, incharam-se as pernas e os pés, e o estômago piorou cada vez mais, mal podendo reter algum alimento” (1Cel 105.5).

Francisco, então, pediu para que Elias o levasse para a cidade de Assis; quando chegou em Assis, estava muito prostrado. “Espantavam-se os médicos e admiravam-se os frades, de que seu espírito pudesse viver em um corpo já tão morto, pois a carne já se havia consumido e estava reduzido a pele e ossos” (1Cel 107.7).

Dois anos antes, quando morava com Elias em Foligno, Elias teve um sonho: um sacerdote idoso, todo de branco, lhe apareceu e dizia: “Levanta-te, irmão, e diz a Frei Francisco que já se passaram dezoito anos desde que renunciou ao mundo e aderiu a Cristo. Permanecerá só mais dois anos nesta vida, e depois, chamado pelo Senhor, seguirá o caminho de toda carne mortal” (1Cel 109. 3).

Sabendo que iria morrer, Francisco chamou cada frade e abençoou um a um, individualmente; depois, solicitou que o levassem para a cidade de Porciúncula.

Tendo descansado poucos dias em Porciúncula, lugar que ele mais amava, chamou dois frades e lhes mandou que cantassem em voz alta os Louvores do Senhor, na alegria do espírito, pela morte que o levaria para a vida eterna.

Ele mesmo começou a cantar o Salmo de Davi: “Em alta voz, clamo ao Senhor; em alta voz, suplico ao Senhor”. Mandou trazer o livro dos Evangelhos e pediu que lessem o trecho de São João, no lugar que começa: “Seis dias antes da Páscoa, sabendo Jesus que sua hora tinha chegado e devia passar deste mundo para o Pai...” (Jo 13.1).

Prostrado pela doença grave, que encerrou todos os seus sofrimentos, fez com que o colocassem nu sobre a terra nua, para que, naquela hora extrema, em que ainda podia enraivecer o inimigo, estivesse preparado para lutar nu, contra o adversário nu.

Na verdade, esperava, intrepidamente, o triunfo, e já apertava em suas mãos a coroa da justiça. Assim, posto no chão, sem a sua roupa de saco, voltou o rosto para o céu, como costumava e, todo concentrado naquela glória, cobriu a chaga do lado direito com a mão esquerda, para que não a vissem. E disse aos frades: ‘Eu fiz a minha parte; que Cristo vos ensine a cumprir a vossa!’ (2Cel 214.6-9)

                Depois, pediu que lhe pusessem um cilício e “jogassem cinzas por cima, porque, dentro em breve, seria pó e cinza”.

E depois faleceu. Assis recebeu milhares de pessoas, que louvavam a Deus pela vida tão singular de Francisco. “O bem-aventurado pai São Francisco, que teve a imagem e a forma de um Serafim, fez tudo isso com perfeição, porque perseverou na cruz e mereceu voar para a altura dos espíritos sublimes” (1Cel 115.1).

“Quando amanheceu, juntou-se a multidão de Assis com todo o clero e, carregando o corpo do lugar em que morrera, levaram-no para a cidade, entre hinos e louvores, tocando trombetas.

Cada um levava um ramo de oliveira ou de outras árvores, e seguiam solenemente o enterro, com muitas luminárias e cantando louvores em alta voz” (1Cel 116.2,3).

Francisco faleceu no dia 03 de outubro de 1226. Foi canonizado pelo Papa Gregório IX, no dia 16 de julho de 1228.

 

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terça-feira, 27 de outubro de 2020

Consolidação do Ministério - vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano



A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano

Ir. Edson Cortasio Sardinha

Partes 6

 

Consolidação do Ministério


 

6. Consolidação do Ministério

            Francisco teve que retornar a Roma por causa da Ordem dos Frades Menores e desejou falar com o Papa Honório e os Cardeais. Sabendo disso, Dom Hugolino, bispo de Óstia, ficou preocupado, pois sabia que Francisco era uma pessoa muito simples; apesar disso, o apresentou ao Papa e aos Cardeais. Diante de todos, Francisco teve oportunidade de falar com intrepidez: falava com tanto fervor, que se movia com os pés como se estivesse dançando. Isso levou a todos a uma comoção. Dom Hugolino permaneceu em oração e preocupado, pois tinha grande admiração por Francisco. Foi nesta ocasião que Francisco se encontrou com São Domingos e ambos conversaram sobre suas Ordens:

 

Depois de terem conversado coisas muito agradáveis a respeito de Deus, disse-lhes o bispo (Dom Hugolino): ‘Na Igreja primitiva, os pastores da Igreja eram homens pobres e transbordavam de caridade, não de cobiça. Por que não fazemos bispos e prelados os vossos frades que se destacam entre os outros pela doutrina e pelo exemplo?’ Surgiu, então, entre os dois santos [Domingos e Francisco], uma porfia, não para ver quem respondia primeiro, mas porque um cedia ao outro a honra e, assim, queria obrigá-lo a responder antes. Na realidade, superavam-se numa competição de mútua veneração. Por fim, a humildade venceu Francisco, para que não se oferecesse, e também venceu Domingos para que, respondendo primeiro, obedecesse humildemente. Disse, pois, o bem-aventurado Domingos ao bispo: ‘Senhor, meus frades já foram promovidos a um bom grau, se o souberem reconhecer, e, se depender de mim, não permitirei que assumam outro tipo de dignidade’. Depois que ele fez esse breve discurso, São Francisco se inclinou diante do bispo e disse: ‘Senhor, meus frades têm o nome de menores para não presumirem ser maiores. Sua vocação ensina-os a ficar embaixo, seguindo os vestígios de Cristo, e, dessa maneira, na glorificação dos santos, serão mais exaltados que os outros. Se queres que produzam fruto na Igreja de Deus, conservai-os no estado de sua vocação. Reduzi-os ao chão, mesmo contra sua vontade.  Por isso, pai, eu vos suplico: para que não sejam tanto mais soberbos quanto mais pobres, nem insolentes com os outros, de maneira alguma permitais que sejam promovidos a prelaturas’ (2Cel 148.2-11).

 

            Como se percebe na transcrição acima, Francisco tinha uma grande preocupação com os pobres, por amor ao Senhor: chegava a pedir roupas e peles aos ricos para dar aos pobres. Também tinha um carinho especial pelas ovelhas, pois elas representavam, simbolicamente, o Ministério do Senhor Jesus: por duas vezes, comprou ovelhas que estavam para ser vendidas ou eram maltratadas; uma delas ele doou ao bispo, que a encaminhou para um convento, e, a outra, ele comprou e pediu ao próprio dono para nunca mais vendê-la...  Portanto, Francisco tinha um grande amor por todas as criaturas, por causa do Criador:

 

Ao ver o sol, a lua, as estrelas e o firmamento, enchia-se, muitas vezes, de alegria admirável e inaudita. Piedade simples, simplicidade piedosa! Tinha um amor enorme até pelos vermes, por ter lido sobre o Salvador: ‘Sou um verme e não um homem’. Recolhia-os, por isso, no caminho, e os colocava em lugar seguro, para não serem pisados pelos que passavam (1Cel 29.80).

 

Tudo na criação lhe falava de Jesus: tinha, assim, uma cosmovisão cristocêntrica – tudo conduzia a Cristo.

 

Que alegria a sua diante das flores, ao admirar-lhes a delicada forma ou aspirar o suave perfume! Passava, imediatamente, a pensar na beleza daquela flor, que brotou da raiz de Jessé, no tempo esplendoroso da primavera e, com seu perfume, ressuscitou milhares de mortos. Quando encontrava muitas flores juntas, pregava para elas e as convidava a louvar o Senhor, como se fossem racionais. Da mesma maneira, convidava, com muita simplicidade, os trigais e as vinhas, as pedras, os bosques e tudo o que há de bonito nos campos, as nascentes e tudo o que há de verde nos jardins, a terra e o fogo, o ar e o vento, para que tivessem muito amor e louvassem, generosamente, ao Senhor. Afinal, chamava todas as criaturas de irmãs, intuindo seus segredos de maneira especial, por ninguém experimentada, porque, na verdade, parecia já estar gozando a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Na certa, ó bom Jesus, ele, que, na terra, cantava o vosso amor a todas as criaturas, estará, agora, a louvar-vos nos céus com os anjos, porque sois admirável (1Cel 29.81. 3-5).

 

            Francisco tinha, também, profunda devoção pelo Nome do Senhor e pelas Sagradas Escrituras: “É impossível compreender o quanto se comovia, quando pronunciava Vosso Nome, Senhor Santo! Parecia um outro homem, um homem de outro mundo, todo cheio de júbilo e do mais puro prazer” (1Cel 29.80). Cuidava de tudo para que o Nome do Senhor não fosse blasfemado: tudo o que possuía o Nome do Senhor, ele recolhia e guardava, para que o Senhor não fosse blasfemado: até mesmo textos de grupos considerados hereges – como, por exemplo, os Valdenses –, Francisco recolhia com muito temor, pois ali estavam porções das Escrituras.

            Francisco era um homem cheio da graça do Senhor: sua beleza era espiritual. Tomás de Celano escreve detalhes sobre sua aparência física:

 

Era de estatura um pouco abaixo da média, cabeça proporcionada e redonda, rosto um tanto longo e fino, testa plana e curta; olhos nem grandes nem pequenos, negros e límpidos; cabelos castanhos; pestanas retas; nariz proporcional, delgado e reto; orelhas levantadas, mas pequenas; têmporas achatadas; língua pacificadora, ardente e penetrante; voz forte, doce, clara e sonora; dentes unidos, alinhados e brancos; lábios pequenos e delgados; barba preta e um tanto rala; pescoço esguio; ombros retos; braços curtos; mãos delicadas; dedos longos; unhas compridas; pernas delgadas; pés pequenos; pele fina; enxuto de carnes. Vestia-se rudemente, dormia pouco e era muito generoso (1Cel 29.83).

 

                Francisco desejava recordar a humildade do Senhor em todos os aspectos, e a Encarnação de Jesus era, para ele, muito significativa, uma vez que simbolizava total humildade. No dia de Natal, no povoado de Grécio, três anos antes de sua morte, Francisco desejou encenar o nascimento de Cristo. Havia um homem chamado João, muito amigo de Francisco, nobre e honrado, e que tinha um espírito santo e humilde; quinze dias antes do Natal, Francisco mandou chamá-lo e disse: “Se você quiser que celebremos o Natal em Grécio, é bom começar a preparar, diligentemente e desde já, o que eu vou dizer. Quero lembrar o Menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio; e contemplar, com os próprios olhos, como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro” (1Cel 29.84). João fez exatamente o que Francisco desejava. Na noite de Natal, vieram pessoas de vários lugares, alguns com tochas nas mãos; quando Francisco chegou, tudo já estava preparado e ele ficou muito feliz. Fizeram um presépio (manjedoura), colocaram palha, trouxeram um boi e um burro – a cidade de Grécio se tornou uma nova Belém!

Os frades cantavam louvores a Deus pelo Natal. Naquele local, foi celebrada uma missa por um sacerdote convidado, que recebeu “uma consolação jamais experimentada” (1Cel 29.85). Francisco vestiu a “dalmática” (porque era diácono) e cantou, com voz sonora, o santo Evangelho; depois, pregou o Evangelho, falando do nascimento do Rei pobre, e da pequena cidade de Belém. Parecia que Francisco via Jesus deitado no presépio! Ao terminar a vigília, todos voltaram para casa. Muitos animais receberam curas ao comerem dessa palha; mulheres tiveram resultado feliz em seus partos, colocando um pouco desse feno sobre suas barrigas, e muitos homens e mulheres foram curados (1Cel 29.87). No lugar onde foi erguido o presépio, foi construída uma Igreja.

 

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sábado, 5 de setembro de 2020

A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano - Ir. Edson Cortasio Sardinha - Partes 5 - Milagres

A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano

Ir. Edson Cortasio Sardinha

Partes 5

 Milagres

 Hoje é celebrado São Francisco de Assis, exemplo de pobreza, harmonia e paz  - Paróquia São José 

5. Milagres

            Francisco de Assis realizou inúmeros milagres – seja diretamente, através de seu contato ou bênção, seja indiretamente, através de algum objeto seu. A seguir, serão relatados alguns desses milagres.

Percorrendo o Vale de Espoleto, chegando perto de Bevagna, Francisco encontrou uma grande quantidade de pássaros; ele deixou seus companheiros e correu em direção aos mesmos; cumprimentou-os e ficou admirado quando percebeu que as aves não fugiram. Então, pediu para que as aves ouvissem a Palavra de Deus:

           

Entre muitas outras coisas, disse-lhes o seguinte: ‘Passarinhos, meus irmãos, vocês devem sempre louvar o seu Criador e amá-lo, porque lhes deu penas para vestir, asas para voar e tudo de que vocês precisam. Deus lhes deu um bom lugar entre as suas criaturas e lhes permitiu morar na limpidez do ar, pois, embora vocês não semeiem nem colham, não precisam se preocupar porque Ele protege e guarda vocês’. Quando os passarinhos ouviram isso, conforme ele mesmo e seus companheiros contaram depois, fizeram uma festa à sua maneira, começando a espichar o pescoço, a abrir as asas e a olhar para ele. Ele ia e voltava pelo meio deles, roçando a túnica por suas cabeças e corpos. Depois abençoou-os e, fazendo o sinal da cruz, deu-lhes licença para voar  (1Cel 21.58.6-10).

 

 

            Ao sair dali, Francisco começou a acusar-se de negligente, por não ter pregado antes para as aves, que tinham ouvido a Palavra de Deus com tanto respeito.

Isso fez com que passasse a exortar todos “os pássaros, animais, répteis e até as criaturas inanimadas, a louvarem e amarem o Criador, já que, por experiência própria, comprovava, todos os dias, como obedeciam quando invocava o nome do Salvador” (1Cel 21.58).

Assim, as criaturas irracionais obedeciam a Francisco. Certa vez, foi ao povoado de Alviano para pregar a Palavra de Deus.

 

 

 

Ao começar a pregar, foi interrompido por várias andorinhas: pediu silêncio aos pássaros e foi obedecido na mesma hora! Isso serviu de sinal para que as pessoas chegassem à conversão.

 

Esta relação de Francisco com os animais passou a ser comum: coelhos e lebres corriam para seus braços, peixes lhe escutavam... Os sinais de Deus eram evidentes em sua vida – certa vez, quando estava doente, abençoou um copo de água e este se transformou em vinho.

Após o milagre com os pássaros, foi para a cidade de Ascoli. Ali, sua pregação levou trinta homens (entre clérigos e leigos) a receberem, de suas mãos, o hábito da Ordem. 

Pessoas levavam pães para ele os abençoar; pães abençoados por ele eram guardados e dados às pessoas doentes que, ao comê-los, ficavam curadas; partes de suas vestes eram cortadas e levadas aos enfermos e muitos, também, eram curados.

Gualfredúcio, um cristão que morava com sua família em Città della Pieve, tinha consigo uma corda que Francisco já tinha usado em sua cintura: ele mergulhava a corda na água e dava esta água aos enfermos, de casa em casa, e todos eram curados.

Na cidade de Toscanela, Francisco ficou hospedado na casa de um senhor que tinha um filho único, que era coxo e extremamente fraco; por solicitação da família, Francisco orou e a criança foi curada.

Quando esteve em Narni, foi solicitado pelo bispo da cidade para ir à casa de um homem chamado Pedro, que estava paralítico há cinco meses; ao chegar e abençoá-lo, Pedro ficou imediatamente curado.

Na mesma cidade, uma mulher cega ficou milagrosamente curada com a bênção de Francisco. Em Gúbio, havia uma mulher que tinha as duas mãos paralisadas: Francisco tocou nas mãos e elas foram curadas.

Um frade padecia de uma doença atribuída a demônios (na verdade, era epilepsia): Francisco foi visitá-lo, orou, fez o sinal da cruz e ele ficou imediatamente curado.

No povoado de San Gémini, Francisco ficou hospedado com três discípulos na casa de um homem temente a Deus, que tinha uma esposa que sofria de ataques do demônio; depois de muita insistência, Francisco pediu para que cada frade ficasse no canto do quarto e repreendeu o demônio com as seguintes palavras: “Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, mando-te, por obediência, ó demônio, que saias dela e jamais te atrevas a molestá-la” (1Cel 25.69) e, na mesma hora, a mulher ficou liberta.

Em Città di Castello, outra mulher possessa do demônio foi liberta pela oração de Francisco... 

            Os milagres na vida de Francisco foram resultados de uma vida de oração e piedade.

Ele tinha uma vida ativa na pregação, mas vivia em inteira disciplina de oração; procurava lugares desertos para poder viver o silêncio e a intimidade com o Senhor:

 

Seu porto seguro era a oração, que não era curta, nem vazia ou presunçosa, mas demorada, cheia de devoção e tranquila na humildade. Se começava à tarde, mal a podia acabar pela manhã. Andando, sentado, comendo ou bebendo, estava entregue à oração. Gostava de passar a noite orando sozinho em igrejas abandonadas e construídas em lugares desertos, onde, com a proteção da graça de Deus, venceu muitos temores e muitas angústias. Lutava corpo a corpo com o demônio, porque, nesses lugares, não só o tentava interiormente, mas, também, procurava desanimá-lo, com abalos e estardalhaços exteriores. Mas o valente soldado de Cristo sabia que o seu Senhor tinha todo o poder, e não cedia às amedrontações, dizendo, em seu coração: ‘Malvado, as armas da tua malícia não me podem ferir mais aqui do que se estivéssemos em público, na frente de todo mundo’ (1Cel 27.71.3 e 72.1-2).

 

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terça-feira, 21 de julho de 2020

Formação Franciscano - A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano Ir. Edson Cortasio Sardinha Partes 3 e 4


A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano
Ir. Edson Cortasio Sardinha
Partes 3 e 4

Aprovação da Igreja e Viagens e Expansão

São Francisco de Assis, inspiração educacional ao humanismo ... 


3. Aprovação da Igreja
            Francisco desejava viver integralmente o Evangelho. Como o número de discípulos aumentava, “escreveu para si e para seus irmãos, presentes e futuros, com simplicidade e com poucas palavras, uma forma e Regra de vida, usando, principalmente, expressões do santo Evangelho” (1Cel 13.32.1). Depois da Regra pronta, levou-a, com os seus discípulos, a Roma, para que o Papa Inocêncio III a aprovasse. Era o ano de 1209.
Nesta época, o amigo e bispo de Assis, Guido, estava em Roma; num primeiro momento, Guido não “gostou” da presença de Francisco e seus amigos em Roma, pois achava que estavam abandonando Assis. Para Tomás de Celano, o motivo do desagrado estava no fato de que o bispo desejava muito o trabalho de Francisco e seus discípulos em Assis (1Cel 13.32.5,6): “Gostava muito de ter esses homens de valor em sua diocese e esperava muito de sua vida e de seus bons costumes”. Contudo, quando soube o motivo da ida a Roma, ficou alegre e prometeu “seu apoio e influência”. Francisco também teve o apoio do bispo de Sabina, João de São Paulo, homem que se destacava de “entre os outros príncipes e dignitários da Cúria Romana”; contudo, Bispo João também tentou persuadi-lo a passar para a vida monástica ou eremítica...
Como Francisco permaneceu firme em seu propósito, “procurou apoiar sua causa diante do Papa” (1Cel 13.33.4). No primeiro encontro com o Papa, este achou sua vida muito dura e difícil e lhe disse: “Meu filho, pede a Cristo que nos manifeste sua vontade, para que, conhecendo-a, possamos concordar com maior segurança com os teus piedosos desejos” (2Cel 16.1). Francisco foi orar e Deus lhe deu uma parábola para falar ao Papa:

Francisco, dirás isto ao Papa: uma mulher pobrezinha, mas bonita, morava em um deserto. Um rei se apaixonou por ela por causa de sua grande formosura, desposou-a todo feliz e teve com ela filhos belíssimos. Quando já estavam adultos e nobremente educados, a mãe lhes disse: “Não vos envergonheis, meus queridos, porque sois pobres, pois sois todos filhos daquele grande rei. Ide com alegria para sua corte, e pedi-lhe tudo que precisais’. Apresentaram-se ousadamente ao rei, sem temer o rosto que era parecido com o deles.  Vendo neles essa semelhança, o rei perguntou, admirado, de quem eram filhos.  Quando disseram que eram filhos daquela mulher pobrezinha do deserto, o rei os abraçou dizendo: ‘Sois meus filhos e meus herdeiros, não tenhais medo!  Se até estranhos comem à minha mesa será muito mais justo que eu alimente aqueles a quem está destinada por direito a minha herança toda’. Por isso o rei mandou que a mulher levasse todos os seus filhos para serem alimentados em sua corte (2Cel 16.4-13).

             Quando o Papa recebeu esta palavra, lembrou-se de um sonho que teve, onde tinha visto a Basílica de Latrão prestes a ruir, mas sendo sustentada por um religioso, homem pequeno e desprezível, que a sustentava com seu ombro para não cair. “E disse: ‘Na verdade, este é o homem que, por sua obra e por sua doutrina, haverá de sustentar a Igreja’” (2Cel 17.5). O Papa entendeu que a obra era de Cristo e confirmou a Regra de Vida de Francisco.

Aceitou o pedido e deu-lhe despacho. Tendo-lhes feito muitas exortações e admoestações, abençoou São Francisco e seus irmãos e lhes disse: “Ide com Deus, irmãos, e conforme o Senhor se dignar inspirar-vos, pregai a todos o arrependimento. Quando o Senhor vos tiver enriquecido em número e graça, vinde referir-me tudo com alegria, e eu vos concederei mais do que agora e, com maior segurança, vos confiarei encargos maiores” (1Cel 13.33.7,8). 

            Mais tarde, Francisco teve um sonho, que entendeu ser uma revelação de Deus. No Senhor, ele crescia e ficava da altura de uma árvore de grande porte. Uma árvore bela e forte, grossa e muito alta. Francisco, com suas mãos, conseguia “vergá-la facilmente até o chão”. Ele entendeu que esta árvore era o Papa Inocêncio III que, sendo poderoso, se inclinou com benignidade e atendeu à sua vontade. Em Roma, aproveitaram para visitar o Túmulo de São Pedro e, depois, retornaram para o Vale de Espoleto. No caminho, discutiam sobre a vida da nova Ordem que nascia, de acordo com o Evangelho. Chegaram a um lugar solitário e não tinham nada para comer. Um homem os encontrou e lhes deu pão e se foi. Viram este gesto como um milagre da providência divina. Finalmente, chegaram a um lugar perto de Orte, e “ali ficaram quase quinze dias”. Para terem o que comer, iam à cidade e pediam, de porta em porta, alimentos. Os alimentos que sobravam guardavam em um sepulcro para comerem depois (1Cel 14.34). 
            Essas experiências levaram os discípulos e Francisco a louvarem a Deus por nada possuírem: a pobreza era uma liberdade espiritual. “Pondo de lado toda solicitude pelos bens terrenos, só lhes interessava a consolação de Deus. Por isso, resolveram, com firmeza, não se apartar dos braços da pobreza, por maiores que fossem as tribulações e tentações” (1Cel 14.35). Certa vez, tentou destruir uma casa em Porciúncula, que estava sendo levantada para a reunião do Capítulo dos Irmãos Menores.

Quando o santo voltou e viu a casa, levando a mal, não sofreu pouco. Levantou-se para ser o primeiro a eliminar o edifício. Subiu ao telhado e pôs abaixo telhas e cobertura com mão forte. Mandou os frades subirem também para acabar de uma vez com aquele monstro contrário à pobreza. Porque dizia que logo se haveria de espalhar pela Ordem e ser tomado por exemplo tudo que se visse de mais pretensioso naquele lugar. Teria acabado de uma vez com o prédio se os soldados que lá estavam não tivessem feito frente ao seu fervor dizendo que ele pertencia à comuna e não aos frades. (2Cel 57.1-6).

            Com a autorização de Roma, Francisco teve mais vigor para pregar o Evangelho e exortar o povo cristão à conversão. Sua pregação era direta e vigorosa.

Valoroso soldado de Cristo, Francisco percorria as cidades e povoados anunciando o reino de Deus, proclamando a paz, pregando a salvação e a penitência para a remissão dos pecados, sem usar os argumentos da sabedoria humana, mas a doutrina e a força do Espírito. Apoiado na autorização apostólica que lhe fora concedida, agia em tudo destemidamente, sem adular nem tentar seduzir ninguém com moleza. Não sabia lisonjear as culpas de ninguém, mas pungi-las. Não tentava desculpar a vida dos pecadores, mas atacava-os com áspera reprimenda, tanto mais que tinha posto primeiro em prática as coisas que aconselhava aos outros. Sem medo de que o repreendessem, anunciava a verdade destemidamente, de maneira que até os homens mais letrados, que gozavam de renome e dignidade, admiravam seus sermões e em sua presença sentiam-se possuídos de temor salutar. (1Cel 15.36.1-3)

            Não apenas leigos, mas também clérigos, procuravam ouvir os sermões de Francisco. Tinha tanta persuasão, que suas mensagens pareciam “fluir de uma luz” vinda de Deus. “Brilhava como uma estrela fulgente na escuridão da noite e como a aurora que se estende sobre as trevas” (1Cel 14.37). Ocorreram, assim, muitas conversões em toda a região, de nobres e plebeus, sacerdotes e leigos, homens e mulheres – pessoas de toda parte desejavam seguir este novo modo de vida.
A Ordem cresceu e passou a ser chamada de “Ordem dos Frades Menores”: foi o próprio Francisco que lhe deu o nome. “Quando estavam escrevendo na Regra: ‘e sejam menores’, ao ouvir essas palavras disse: ‘Quero que esta fraternidade seja chamada Ordem dos Frades Menores’ (1Cel 14.38). O nome “Menor” estava ligado ao fato de que a espiritualidade da Ordem foi baseada na verdadeira humildade: sempre procurava os piores lugares e fazer o que os outros detestavam. O carisma da Ordem era servir a Deus e ao próximo com um coração verdadeiramente pobre. A Ordem estava baseada na alegria, na comunhão de seus membros e na obediência. Não tinham nada e nada desejavam:  eram contentes com suas únicas túnicas – algumas vezes, remendadas por dentro e por fora. “Cingiam-se com uma corda e usavam calças de pano rude” (1Cel 14.39.7). Não possuíam abrigos contra o frio; durante o dia, trabalhavam e serviam aos leprosos. Preferiam trabalhar em lugares onde eram perseguidos. “Foram muitas vezes cobertos de opróbrios e de ofensas, despidos, açoitados, amarrados, encarcerados, sem recorrer à proteção de ninguém, e suportavam tudo varonilmente, vindo à sua boca apenas a voz do louvor e da ação de graças” (1Cel 14.40).
            Para permanecerem em oração durante a noite, se apoiavam em cordas suspensas; uns usavam cilícios de metal e outros amarravam madeiras na cintura para mantê-los alertas. Lutavam, também, contra os apelos da carne: “Punham tanto esforço em reprimir as tentações da carne, que, muitas vezes, não se horrorizavam de despir-se no gelo mais frio, nem de molhar o corpo todo com o sangue derramado por duros espinhos” (1Cel 14.40).

4. Viagens e Expansão
                Francisco e seus discípulos se recolheram em um lugar perto de Assis, chamado Rivotorto, no ano de 1210. Passaram a viver numa cabana abandonada e, neste lugar, viveram muitas privações. Esta casa passou a ser um lugar de discipulado e busca da perfeição cristã para Francisco e seus discípulos. A “cabana dos Irmãos Menores” ficava na beira da estrada; o Imperador Otão passou em frente à cabana para receber a coroa do Império e, “apesar do enorme ruído e pompa, o santo pai e seus companheiros, cuja cabana ficava à beira do caminho, nem saíram para vê-lo, nem permitiram que ninguém olhasse, a não ser um, a quem mandou para anunciar-lhe repetidamente que sua glória ia durar pouco” (1Cel 16.44).  Francisco “sentia-se investido de autoridade apostólica e, por isso, se recusava absolutamente a bajular reis e príncipes”.
            A cabana era muito estreita e Francisco teve que escrever o nome dos irmãos nos caibros da cabana, para que cada um soubesse seu lugar, “quando quisesse orar ou repousar, e não se perturbasse o silêncio espiritual pela estreiteza do ambiente”. Certa vez, apareceu um camponês que intencionava reformar a cabana e construir casas para os frades. Francisco ficou tão chocado com a ideia, que resolveu abandonar o lugar.  Deixou Rivotorto e foi morar em Porciúncula, onde havia reparado uma igreja. Francisco entendia que, para possuir tudo no Senhor, em maior plenitude, precisava abrir mão de tudo e não possuir propriedade nenhuma. Em Porciúncula, os discípulos de Francisco pediram para que ele os ensinasse a orar e Francisco respondeu-lhes: “Quando orardes, dizei: ‘Pai nosso’ e ‘Nós vos adoramos, ó Cristo, em todas as vossas igrejas que estão pelo mundo inteiro, e vos bendizemos, porque por vossa santa cruz remistes o mundo” (1Cel 17.45). Esta oração passou a ser praticada pelos seus frades diariamente: em qualquer lugar onde houvesse uma igreja, mesmo que não entrassem nela, contanto que a pudessem ver de longe, prostravam-se por terra na sua direção e, inclinados de corpo e alma, adoravam o Todo-Poderoso, dizendo: “Nós vos adoramos, ó Cristo, em todas as vossas igrejas, porque pela sua santa cruz remistes o mundo”. “E, o que não é menos para se admirar, faziam o mesmo onde quer que vissem uma cruz ou seu sinal: no chão, numa parede, nas árvores ou nas cercas do caminho” (1Cel 17.45).
            Em Porciúncula, existia um padre de má fama. Eles procuravam o padre regularmente, para confessarem seus pecados. Apesar de serem alertados pela população sobre a conduta má do padre, eles, simplesmente, se recusaram a acreditar e continuaram honrando o padre e confessando a ele seus pecados. Certa noite, durante a oração do Pai Nosso cantada, Francisco teve um êxtase: quando chegou a meia noite, “entrou pela pequena porta um rutilante carro de fogo, deu duas ou três voltas para cá e para lá na casa, tendo, sobre ele, um globo enorme, que era parecido com o sol, e iluminou a noite” (1Cel 18.47). Os frades entenderam que era uma graça especial de Deus concedida a Francisco, que estava em êxtase de oração.
Francisco recebeu de Deus o dom da revelação e da profecia: Deus lhe revelava a vida secreta dos frades e anunciava eventos vindouros; com isso, podia orientar seus discípulos com relação à disciplina cristã. Passou a ter uma vida com muito rigor ascético: proibia seus discípulos de possuir objetos – até mesmo um prato ou uma caneca. Quando ia dormir na casa de alguém, recusava cobertores e preferia dormir no chão. Certa vez, doente, comeu carne de galinha; ao se recuperar da doença, foi até Assis e, chegando à porta da cidade, mandou o frade que o acompanhava que lhe amarrasse uma corda no pescoço e o conduzisse assim, feito um ladrão, por toda a cidade, clamando como um pregoeiro:

 ‘Vejam o comilão, que engordou com carne de galinha, que comeu sem vocês saberem’ ” (1Cel 19.52). Este gesto estranho causou a conversão de muitas pessoas em Assis. Francisco “sentia uma dor imensa quando era venerado por todos e, para se livrar da consideração humana, encarregava alguém de o insultar” (1Cel 19.53).

Quando cometia alguma falta, confessava-a publicamente, durante sua pregação.
            No sexto ano de sua conversão, desejando o martírio, navegou para a Síria com a intenção de pregar o Evangelho aos sarracenos. Contudo, por causa da tempestade no mar, foi parar na Esclavônia. Soube que alguns marinheiros iriam para Ancona e aproveitou para embarcar junto; como não poderia pagar e não conseguiu a passagem, resolveu, em oração, entrar escondido no navio com um companheiro. Um desconhecido passou a dar as provisões necessárias para a viagem, sem que ninguém soubesse. O navio enfrentou uma grande tempestade e a provisão que Francisco recebeu foi multiplicada, ao ponto de suprir a necessidade de todos. Quando chegaram em Ancona, os marinheiros descobriram que foi por causa da intercessão de Francisco que o navio não naufragou e agradeceram a Deus.
Ao chegar em Ancona, Francisco pregou o Evangelho e aconteceram muitas conversões entre leigos e clérigos. Algum tempo depois, empreendeu uma viagem a Marrocos, para pregar o Evangelho de Cristo ao Miramolim e a seus sequazes. “Seu entusiasmo era tanto, que, às vezes, deixava para trás seu companheiro de viagem, na pressa de realizar seu intento, com verdadeira embriaguez espiritual” (1Cel 20.56). Mas, por causa de uma doença, foi impedido de seguir viagem; nesta ocasião, encontrou seu discípulo e primeiro biógrafo Tomás de Celano. Este diz:

Mas o bom Deus lembrou-se, em sua misericórdia, de mim e de muitos outros, e se opôs frontalmente a ele quando já tinha chegado à Espanha, impedindo-o de continuar o caminho, por uma doença que o fez voltar atrás. Não fazia muito tempo que tinha voltado a Santa Maria da Porciúncula, quando alguns homens de letras e alguns nobres juntaram-se a ele com grande satisfação. A estes, sempre educado e discreto, tratou com respeito e dignidade, servindo piedosamente a cada um, conforme lhe cabia (1Cel 20.56 e 57).

            Francisco retornou para Porciúncula e, no décimo terceiro ano de sua conversão, foi para a Síria. Nesta época, estava ocorrendo uma grande batalha entre os cristãos e os mulçumanos; contudo, não teve medo de se apresentar ao sultão dos sarracenos, levando um companheiro. Francisco foi açoitado, mas permaneceu sereno. O Sultão o recebeu muito bem; tentou lhe dar presentes, mas, quando percebeu que Francisco recusava tudo, ficou muito admirado e honrou Francisco. Não ocorreram conversões, mas testemunharam o Evangelho. Logo após, Francisco retornou para sua terra.

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