terça-feira, 21 de julho de 2020

Formação Franciscano - A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano Ir. Edson Cortasio Sardinha Partes 3 e 4


A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano
Ir. Edson Cortasio Sardinha
Partes 3 e 4

Aprovação da Igreja e Viagens e Expansão

São Francisco de Assis, inspiração educacional ao humanismo ... 


3. Aprovação da Igreja
            Francisco desejava viver integralmente o Evangelho. Como o número de discípulos aumentava, “escreveu para si e para seus irmãos, presentes e futuros, com simplicidade e com poucas palavras, uma forma e Regra de vida, usando, principalmente, expressões do santo Evangelho” (1Cel 13.32.1). Depois da Regra pronta, levou-a, com os seus discípulos, a Roma, para que o Papa Inocêncio III a aprovasse. Era o ano de 1209.
Nesta época, o amigo e bispo de Assis, Guido, estava em Roma; num primeiro momento, Guido não “gostou” da presença de Francisco e seus amigos em Roma, pois achava que estavam abandonando Assis. Para Tomás de Celano, o motivo do desagrado estava no fato de que o bispo desejava muito o trabalho de Francisco e seus discípulos em Assis (1Cel 13.32.5,6): “Gostava muito de ter esses homens de valor em sua diocese e esperava muito de sua vida e de seus bons costumes”. Contudo, quando soube o motivo da ida a Roma, ficou alegre e prometeu “seu apoio e influência”. Francisco também teve o apoio do bispo de Sabina, João de São Paulo, homem que se destacava de “entre os outros príncipes e dignitários da Cúria Romana”; contudo, Bispo João também tentou persuadi-lo a passar para a vida monástica ou eremítica...
Como Francisco permaneceu firme em seu propósito, “procurou apoiar sua causa diante do Papa” (1Cel 13.33.4). No primeiro encontro com o Papa, este achou sua vida muito dura e difícil e lhe disse: “Meu filho, pede a Cristo que nos manifeste sua vontade, para que, conhecendo-a, possamos concordar com maior segurança com os teus piedosos desejos” (2Cel 16.1). Francisco foi orar e Deus lhe deu uma parábola para falar ao Papa:

Francisco, dirás isto ao Papa: uma mulher pobrezinha, mas bonita, morava em um deserto. Um rei se apaixonou por ela por causa de sua grande formosura, desposou-a todo feliz e teve com ela filhos belíssimos. Quando já estavam adultos e nobremente educados, a mãe lhes disse: “Não vos envergonheis, meus queridos, porque sois pobres, pois sois todos filhos daquele grande rei. Ide com alegria para sua corte, e pedi-lhe tudo que precisais’. Apresentaram-se ousadamente ao rei, sem temer o rosto que era parecido com o deles.  Vendo neles essa semelhança, o rei perguntou, admirado, de quem eram filhos.  Quando disseram que eram filhos daquela mulher pobrezinha do deserto, o rei os abraçou dizendo: ‘Sois meus filhos e meus herdeiros, não tenhais medo!  Se até estranhos comem à minha mesa será muito mais justo que eu alimente aqueles a quem está destinada por direito a minha herança toda’. Por isso o rei mandou que a mulher levasse todos os seus filhos para serem alimentados em sua corte (2Cel 16.4-13).

             Quando o Papa recebeu esta palavra, lembrou-se de um sonho que teve, onde tinha visto a Basílica de Latrão prestes a ruir, mas sendo sustentada por um religioso, homem pequeno e desprezível, que a sustentava com seu ombro para não cair. “E disse: ‘Na verdade, este é o homem que, por sua obra e por sua doutrina, haverá de sustentar a Igreja’” (2Cel 17.5). O Papa entendeu que a obra era de Cristo e confirmou a Regra de Vida de Francisco.

Aceitou o pedido e deu-lhe despacho. Tendo-lhes feito muitas exortações e admoestações, abençoou São Francisco e seus irmãos e lhes disse: “Ide com Deus, irmãos, e conforme o Senhor se dignar inspirar-vos, pregai a todos o arrependimento. Quando o Senhor vos tiver enriquecido em número e graça, vinde referir-me tudo com alegria, e eu vos concederei mais do que agora e, com maior segurança, vos confiarei encargos maiores” (1Cel 13.33.7,8). 

            Mais tarde, Francisco teve um sonho, que entendeu ser uma revelação de Deus. No Senhor, ele crescia e ficava da altura de uma árvore de grande porte. Uma árvore bela e forte, grossa e muito alta. Francisco, com suas mãos, conseguia “vergá-la facilmente até o chão”. Ele entendeu que esta árvore era o Papa Inocêncio III que, sendo poderoso, se inclinou com benignidade e atendeu à sua vontade. Em Roma, aproveitaram para visitar o Túmulo de São Pedro e, depois, retornaram para o Vale de Espoleto. No caminho, discutiam sobre a vida da nova Ordem que nascia, de acordo com o Evangelho. Chegaram a um lugar solitário e não tinham nada para comer. Um homem os encontrou e lhes deu pão e se foi. Viram este gesto como um milagre da providência divina. Finalmente, chegaram a um lugar perto de Orte, e “ali ficaram quase quinze dias”. Para terem o que comer, iam à cidade e pediam, de porta em porta, alimentos. Os alimentos que sobravam guardavam em um sepulcro para comerem depois (1Cel 14.34). 
            Essas experiências levaram os discípulos e Francisco a louvarem a Deus por nada possuírem: a pobreza era uma liberdade espiritual. “Pondo de lado toda solicitude pelos bens terrenos, só lhes interessava a consolação de Deus. Por isso, resolveram, com firmeza, não se apartar dos braços da pobreza, por maiores que fossem as tribulações e tentações” (1Cel 14.35). Certa vez, tentou destruir uma casa em Porciúncula, que estava sendo levantada para a reunião do Capítulo dos Irmãos Menores.

Quando o santo voltou e viu a casa, levando a mal, não sofreu pouco. Levantou-se para ser o primeiro a eliminar o edifício. Subiu ao telhado e pôs abaixo telhas e cobertura com mão forte. Mandou os frades subirem também para acabar de uma vez com aquele monstro contrário à pobreza. Porque dizia que logo se haveria de espalhar pela Ordem e ser tomado por exemplo tudo que se visse de mais pretensioso naquele lugar. Teria acabado de uma vez com o prédio se os soldados que lá estavam não tivessem feito frente ao seu fervor dizendo que ele pertencia à comuna e não aos frades. (2Cel 57.1-6).

            Com a autorização de Roma, Francisco teve mais vigor para pregar o Evangelho e exortar o povo cristão à conversão. Sua pregação era direta e vigorosa.

Valoroso soldado de Cristo, Francisco percorria as cidades e povoados anunciando o reino de Deus, proclamando a paz, pregando a salvação e a penitência para a remissão dos pecados, sem usar os argumentos da sabedoria humana, mas a doutrina e a força do Espírito. Apoiado na autorização apostólica que lhe fora concedida, agia em tudo destemidamente, sem adular nem tentar seduzir ninguém com moleza. Não sabia lisonjear as culpas de ninguém, mas pungi-las. Não tentava desculpar a vida dos pecadores, mas atacava-os com áspera reprimenda, tanto mais que tinha posto primeiro em prática as coisas que aconselhava aos outros. Sem medo de que o repreendessem, anunciava a verdade destemidamente, de maneira que até os homens mais letrados, que gozavam de renome e dignidade, admiravam seus sermões e em sua presença sentiam-se possuídos de temor salutar. (1Cel 15.36.1-3)

            Não apenas leigos, mas também clérigos, procuravam ouvir os sermões de Francisco. Tinha tanta persuasão, que suas mensagens pareciam “fluir de uma luz” vinda de Deus. “Brilhava como uma estrela fulgente na escuridão da noite e como a aurora que se estende sobre as trevas” (1Cel 14.37). Ocorreram, assim, muitas conversões em toda a região, de nobres e plebeus, sacerdotes e leigos, homens e mulheres – pessoas de toda parte desejavam seguir este novo modo de vida.
A Ordem cresceu e passou a ser chamada de “Ordem dos Frades Menores”: foi o próprio Francisco que lhe deu o nome. “Quando estavam escrevendo na Regra: ‘e sejam menores’, ao ouvir essas palavras disse: ‘Quero que esta fraternidade seja chamada Ordem dos Frades Menores’ (1Cel 14.38). O nome “Menor” estava ligado ao fato de que a espiritualidade da Ordem foi baseada na verdadeira humildade: sempre procurava os piores lugares e fazer o que os outros detestavam. O carisma da Ordem era servir a Deus e ao próximo com um coração verdadeiramente pobre. A Ordem estava baseada na alegria, na comunhão de seus membros e na obediência. Não tinham nada e nada desejavam:  eram contentes com suas únicas túnicas – algumas vezes, remendadas por dentro e por fora. “Cingiam-se com uma corda e usavam calças de pano rude” (1Cel 14.39.7). Não possuíam abrigos contra o frio; durante o dia, trabalhavam e serviam aos leprosos. Preferiam trabalhar em lugares onde eram perseguidos. “Foram muitas vezes cobertos de opróbrios e de ofensas, despidos, açoitados, amarrados, encarcerados, sem recorrer à proteção de ninguém, e suportavam tudo varonilmente, vindo à sua boca apenas a voz do louvor e da ação de graças” (1Cel 14.40).
            Para permanecerem em oração durante a noite, se apoiavam em cordas suspensas; uns usavam cilícios de metal e outros amarravam madeiras na cintura para mantê-los alertas. Lutavam, também, contra os apelos da carne: “Punham tanto esforço em reprimir as tentações da carne, que, muitas vezes, não se horrorizavam de despir-se no gelo mais frio, nem de molhar o corpo todo com o sangue derramado por duros espinhos” (1Cel 14.40).

4. Viagens e Expansão
                Francisco e seus discípulos se recolheram em um lugar perto de Assis, chamado Rivotorto, no ano de 1210. Passaram a viver numa cabana abandonada e, neste lugar, viveram muitas privações. Esta casa passou a ser um lugar de discipulado e busca da perfeição cristã para Francisco e seus discípulos. A “cabana dos Irmãos Menores” ficava na beira da estrada; o Imperador Otão passou em frente à cabana para receber a coroa do Império e, “apesar do enorme ruído e pompa, o santo pai e seus companheiros, cuja cabana ficava à beira do caminho, nem saíram para vê-lo, nem permitiram que ninguém olhasse, a não ser um, a quem mandou para anunciar-lhe repetidamente que sua glória ia durar pouco” (1Cel 16.44).  Francisco “sentia-se investido de autoridade apostólica e, por isso, se recusava absolutamente a bajular reis e príncipes”.
            A cabana era muito estreita e Francisco teve que escrever o nome dos irmãos nos caibros da cabana, para que cada um soubesse seu lugar, “quando quisesse orar ou repousar, e não se perturbasse o silêncio espiritual pela estreiteza do ambiente”. Certa vez, apareceu um camponês que intencionava reformar a cabana e construir casas para os frades. Francisco ficou tão chocado com a ideia, que resolveu abandonar o lugar.  Deixou Rivotorto e foi morar em Porciúncula, onde havia reparado uma igreja. Francisco entendia que, para possuir tudo no Senhor, em maior plenitude, precisava abrir mão de tudo e não possuir propriedade nenhuma. Em Porciúncula, os discípulos de Francisco pediram para que ele os ensinasse a orar e Francisco respondeu-lhes: “Quando orardes, dizei: ‘Pai nosso’ e ‘Nós vos adoramos, ó Cristo, em todas as vossas igrejas que estão pelo mundo inteiro, e vos bendizemos, porque por vossa santa cruz remistes o mundo” (1Cel 17.45). Esta oração passou a ser praticada pelos seus frades diariamente: em qualquer lugar onde houvesse uma igreja, mesmo que não entrassem nela, contanto que a pudessem ver de longe, prostravam-se por terra na sua direção e, inclinados de corpo e alma, adoravam o Todo-Poderoso, dizendo: “Nós vos adoramos, ó Cristo, em todas as vossas igrejas, porque pela sua santa cruz remistes o mundo”. “E, o que não é menos para se admirar, faziam o mesmo onde quer que vissem uma cruz ou seu sinal: no chão, numa parede, nas árvores ou nas cercas do caminho” (1Cel 17.45).
            Em Porciúncula, existia um padre de má fama. Eles procuravam o padre regularmente, para confessarem seus pecados. Apesar de serem alertados pela população sobre a conduta má do padre, eles, simplesmente, se recusaram a acreditar e continuaram honrando o padre e confessando a ele seus pecados. Certa noite, durante a oração do Pai Nosso cantada, Francisco teve um êxtase: quando chegou a meia noite, “entrou pela pequena porta um rutilante carro de fogo, deu duas ou três voltas para cá e para lá na casa, tendo, sobre ele, um globo enorme, que era parecido com o sol, e iluminou a noite” (1Cel 18.47). Os frades entenderam que era uma graça especial de Deus concedida a Francisco, que estava em êxtase de oração.
Francisco recebeu de Deus o dom da revelação e da profecia: Deus lhe revelava a vida secreta dos frades e anunciava eventos vindouros; com isso, podia orientar seus discípulos com relação à disciplina cristã. Passou a ter uma vida com muito rigor ascético: proibia seus discípulos de possuir objetos – até mesmo um prato ou uma caneca. Quando ia dormir na casa de alguém, recusava cobertores e preferia dormir no chão. Certa vez, doente, comeu carne de galinha; ao se recuperar da doença, foi até Assis e, chegando à porta da cidade, mandou o frade que o acompanhava que lhe amarrasse uma corda no pescoço e o conduzisse assim, feito um ladrão, por toda a cidade, clamando como um pregoeiro:

 ‘Vejam o comilão, que engordou com carne de galinha, que comeu sem vocês saberem’ ” (1Cel 19.52). Este gesto estranho causou a conversão de muitas pessoas em Assis. Francisco “sentia uma dor imensa quando era venerado por todos e, para se livrar da consideração humana, encarregava alguém de o insultar” (1Cel 19.53).

Quando cometia alguma falta, confessava-a publicamente, durante sua pregação.
            No sexto ano de sua conversão, desejando o martírio, navegou para a Síria com a intenção de pregar o Evangelho aos sarracenos. Contudo, por causa da tempestade no mar, foi parar na Esclavônia. Soube que alguns marinheiros iriam para Ancona e aproveitou para embarcar junto; como não poderia pagar e não conseguiu a passagem, resolveu, em oração, entrar escondido no navio com um companheiro. Um desconhecido passou a dar as provisões necessárias para a viagem, sem que ninguém soubesse. O navio enfrentou uma grande tempestade e a provisão que Francisco recebeu foi multiplicada, ao ponto de suprir a necessidade de todos. Quando chegaram em Ancona, os marinheiros descobriram que foi por causa da intercessão de Francisco que o navio não naufragou e agradeceram a Deus.
Ao chegar em Ancona, Francisco pregou o Evangelho e aconteceram muitas conversões entre leigos e clérigos. Algum tempo depois, empreendeu uma viagem a Marrocos, para pregar o Evangelho de Cristo ao Miramolim e a seus sequazes. “Seu entusiasmo era tanto, que, às vezes, deixava para trás seu companheiro de viagem, na pressa de realizar seu intento, com verdadeira embriaguez espiritual” (1Cel 20.56). Mas, por causa de uma doença, foi impedido de seguir viagem; nesta ocasião, encontrou seu discípulo e primeiro biógrafo Tomás de Celano. Este diz:

Mas o bom Deus lembrou-se, em sua misericórdia, de mim e de muitos outros, e se opôs frontalmente a ele quando já tinha chegado à Espanha, impedindo-o de continuar o caminho, por uma doença que o fez voltar atrás. Não fazia muito tempo que tinha voltado a Santa Maria da Porciúncula, quando alguns homens de letras e alguns nobres juntaram-se a ele com grande satisfação. A estes, sempre educado e discreto, tratou com respeito e dignidade, servindo piedosamente a cada um, conforme lhe cabia (1Cel 20.56 e 57).

            Francisco retornou para Porciúncula e, no décimo terceiro ano de sua conversão, foi para a Síria. Nesta época, estava ocorrendo uma grande batalha entre os cristãos e os mulçumanos; contudo, não teve medo de se apresentar ao sultão dos sarracenos, levando um companheiro. Francisco foi açoitado, mas permaneceu sereno. O Sultão o recebeu muito bem; tentou lhe dar presentes, mas, quando percebeu que Francisco recusava tudo, ficou muito admirado e honrou Francisco. Não ocorreram conversões, mas testemunharam o Evangelho. Logo após, Francisco retornou para sua terra.

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