O Cântico da Criaturas e a Reforma
A espiritualidade franciscana protestante do louvor
Por Ir. Rev. Edson — para a OFSE (Ordem Franciscana dos Servos Evangélicos)
Em 1225, São Francisco de Assis entoou o Cântico das Criaturas, também chamado de Cântico do Irmão Sol, oferecendo à Igreja um dos mais belos testemunhos da integração entre fé e criação. O texto, nascido da pobreza e da contemplação, tornou-se uma das expressões mais puras da teologia do louvor. O que muitos esquecem é que esse mesmo espírito atravessou os séculos e reencontrou sua voz na Reforma Protestante, quando o louvor foi novamente reconhecido como resposta livre e viva à graça de Deus.
A OFSE, como expressão contemporânea do franciscanismo protestante, lê o Cântico das Criaturas à luz da Escritura e da Reforma, reconhecendo que, tanto em Francisco quanto em Lutero, há uma mesma paixão pelo Deus encarnado e pela bondade de sua criação. Ambos reagiram à espiritualidade fria e distante do seu tempo. Francisco o fez saindo dos palácios para cantar com os pobres; Lutero, saindo dos claustros para cantar com o povo de Deus.
Martinho Lutero afirmou: “A música é dom de Deus, não invenção humana; ela expulsa o demônio e torna as pessoas alegres” (WA 50, 370). O Cântico das Criaturas reflete o mesmo princípio: a criação é uma sinfonia que louva o Criador. Assim como Lutero traduziu os salmos para que o povo pudesse cantar a fé, Francisco traduziu a criação em louvor para que toda a natureza se tornasse oração.
A teologia reformada da criação, expressa em João Calvino (Institutas, I.14.20), reforça essa mesma visão: “Toda a criação é um espelho no qual podemos contemplar a glória de Deus”. Francisco, sete séculos antes, já havia contemplado essa glória ao chamar o sol, o vento e a água de irmãos e irmãs. Na espiritualidade da OFSE, esses ecos se encontram — a humildade franciscana e a reverência reformada formam uma única melodia de adoração.
Mas o louvor franciscano-protestante não é apenas estético; ele é ético e missionário. Como recorda João Wesley, “a santidade não é outra coisa senão amor em ação” (Sermão 92, Sobre a Santidade Interior e Exterior). O cântico torna-se missão quando se transforma em cuidado, quando o servo evangélico vê no irmão, na criação e nos pobres o rosto de Cristo sofredor. Assim, o louvor se faz serviço.
A Ordem Franciscana dos Servos Evangélicos (OFSE) vive, portanto, essa herança de maneira encarnada: cantar é evangelizar, louvar é servir, contemplar é cuidar. No cântico e na cruz, o servo franciscano reconhece que “dele, por ele e para ele são todas as coisas” (Rm 11.36).
O Cântico das Criaturas, relido à luz da Reforma, é uma ponte espiritual entre Assis e Wittenberg. Em ambos, o Evangelho é redescoberto como liberdade e gratidão. Na OFSE, celebramos esse cântico não como relíquia medieval, mas como oração viva do coração protestante que crê, trabalha e louva — porque, em Cristo, “toda a criação geme e aguarda” (Rm 8.22), mas também canta a esperança de sua redenção.
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