terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A Irmã Morte

 


A vida de Francisco de Assis a partir de Tomás de Celano

Ir. Edson Cortasio Sardinha

Partes 7

 

A Irmã Morte

 


7.  Irmã Morte

                Francisco morreu no dia 04 de outubro de 1226, em um domingo, na cidade de Assis, onde também foi sepultado. Antes de sua morte, se preparou para este encontro com o Senhor: como sempre fazia, procurou um lugar solitário para ter momentos a sós com Deus, em oração.

Levou para este lugar alguns irmãos mais chegados, para que pudessem protegê-lo das pessoas, e conseguisse, assim, ter seu momento de contemplação.

Neste encontro de oração, buscou, em Deus, o que Ele queria para sua vida: “Buscava, com afã, e desejava com devoção, saber de que modo, por que caminho e com que desejos ele poderia aderir, com maior perfeição, ao Senhor Deus, segundo a inspiração e o beneplácito de Sua vontade” (1Cel 91.5).

Francisco tinha o costume de perguntar a Deus, e abrir os Evangelhos para ver a resposta do Senhor: esta era sua prática preferida de oração. Ao terminar sua oração, abriu o livro e veio a história da paixão do Senhor Jesus, quando o Senhor anunciava as tribulações que deveria passar; para confirmar, abriu o livro mais duas vezes, e vieram palavras semelhantes.

Entendeu, então, que deveria sofrer, antes de entrar definitivamente no Reino de Deus.

            Dois anos antes de sua morte, estava novamente em oração. Foi para o eremitério de Alverne: “Deus lhe deu a visão de um homem com a forma de um Serafim de seis asas, que pairou acima dele com os braços abertos e os pés juntos, pregado numa cruz” (1Cel 94.1).

Duas asas elevavam-se sobre a cabeça, duas se abriam para voar, e outras duas cobriam o corpo inteiro. Francisco sentiu muita alegria pela visão, mas não compreendia o que estava vendo. Levantou-se, triste e alegre ao mesmo tempo, tentando entender a visão.

Neste momento, começaram “a aparecer-lhe, nas mãos e nos pés, as marcas dos quatro cravos, do jeito que as vira, pouco antes, no crucificado” (1Cel 94.7). As marcas eram abertas, como se estivessem preenchidas por cravos: nas mãos, nos pés e ao lado. Da cicatriz ao lado, com frequência, escorria sangue, e sua túnica e calças ficavam molhadas.

Frei Elias teve a oportunidade de ver essas feridas em Francisco, e Frei Rufino pode tocar na sua chaga, do lado direito do peito. Junto com as chagas, vieram dores terríveis, ao ponto de Francisco pedir a Deus para poupá-lo.

Para não ser glorificado por homens, Francisco sempre escondeu estas marcas que recebera de Cristo... Após sua morte, as pessoas puderam, enfim, constatar esse “milagre dos estigmas”, acontecido com Francisco:

 

Contemplavam o corpo bem-aventurado de Cristo, adornado pelos estigmas: ele tinha, nas mãos e nos pés, não os furos dos cravos, mas os próprios cravos, feitos de sua própria carne, pelo poder admirável de Deus, e até como nascidos na sua carne, de modo que, de qualquer lado que fossem empurrados, logo ressaltavam do outro lado, como se fossem um mesmo nervo. E também viam o lado vermelho de sangue (3Cel 5.4-5).

 

                Neste período, Francisco começou a padecer de muitas enfermidades; já sofria de algumas antes, devido a seu estilo de vida de jejuns e mortificações.

Entre as várias enfermidades e as dores dos estigmas, lhe apareceu uma enfermidade nos olhos. Frei Elias obrigou-o a aceitar o remédio e o tratamento médico. Foi levado para a cidade de Rieti para ter um tratamento mais adequado de sua enfermidade; a Cúria Romana estava nesta cidade e o recebeu com muita honra – principalmente Hugolino, bispo de Óstia. Francisco, no passado, o havia escolhido como pai e senhor de toda a Ordem dos seus irmãos, com o consentimento do Papa Honório – mais tarde, Hugolino seria eleito Papa da Igreja, fato que Francisco havia predito tempos antes.

            Hugolino passou a ser amigo pessoal de Francisco e, por isso, “interessou-se, com solicitude e devoção, para que o santo pai pudesse recuperar a antiga saúde dos olhos, vendo nele um homem santo e justo, muito útil e necessário à Igreja de Deus” (1Cel 101.4).

Convenceu Francisco a aceitar o tratamento médico. Os remédios da época eram dolorosos – como, por exemplo, a cauterização com brasas em diversos lugares da cabeça, sangrias, emplastros e colírios. Nada adiantou, e a doença piorava cada vez mais. “O santo suportou isso com toda paciência e humildade, durante quase dois anos, dando, em tudo, graças a Deus” (1Cel 102.1). Durante o tratamento com brasas, teve a graça de Deus para suportar as terríveis dores:

 

Quando esteve doente dos olhos, o homem de Deus foi obrigado a permitir que o tratassem, e chamaram um médico ao lugar. Ele veio, trouxe instrumento de ferro para cauterizar, e mandou colocá-lo no fogo até ficar em brasa. O bem-aventurado pai, animando o corpo já abalado pelo medo, assim falou com o fogo: ‘Meu irmão fogo, o Altíssimo te criou forte, bonito e útil, para emulares a beleza das outras coisas. Sê amigo meu nesta hora, sê cortês, porque eu sempre te amei no Senhor. Rogo ao grande Senhor que te criou, para que abrande um pouco o teu calor, para que queime com suavidade e eu possa agüentar’. Acabada a oração, fez o sinal da cruz e ficou esperando, intrepidamente. Quando o médico segurou o ferro tórrido e branco, os frades fugiram por respeito, mas o santo se apresentou ao ferro, alegre e sorridente. O instrumento penetrou crepitando na carne delicada e a cauterização se estendeu desde a orelha até o supercílio. As palavras do santo testemunham melhor a dor que ele mesmo sentiu. Quando os frades, que tinham fugido, voltaram, o pai disse sorrindo: ‘Covardes e fracos de coração, por que fugistes? Na verdade, eu vos digo que não senti nem o ardor do fogo, nem dor alguma em minha carne’ (3Cel 14.1-11).

 

            Seis meses antes de sua morte, estando na cidade de Sena para cuidar da doença dos olhos, começou a ficar gravemente enfermo em todo o resto do corpo. “Seu estômago se desfez pelos problemas contínuos e por males do fígado, e vomitou muito sangue, parecendo estar quase à morte” (1Cel 105.1).

Quando Elias chegou à cidade, Francisco melhorou e pode ir com ele para a cidade de Celle, perto da cidade de Cortona. Ao chegar na cidade, sua enfermidade piorou. “Seu ventre se intumesceu, incharam-se as pernas e os pés, e o estômago piorou cada vez mais, mal podendo reter algum alimento” (1Cel 105.5).

Francisco, então, pediu para que Elias o levasse para a cidade de Assis; quando chegou em Assis, estava muito prostrado. “Espantavam-se os médicos e admiravam-se os frades, de que seu espírito pudesse viver em um corpo já tão morto, pois a carne já se havia consumido e estava reduzido a pele e ossos” (1Cel 107.7).

Dois anos antes, quando morava com Elias em Foligno, Elias teve um sonho: um sacerdote idoso, todo de branco, lhe apareceu e dizia: “Levanta-te, irmão, e diz a Frei Francisco que já se passaram dezoito anos desde que renunciou ao mundo e aderiu a Cristo. Permanecerá só mais dois anos nesta vida, e depois, chamado pelo Senhor, seguirá o caminho de toda carne mortal” (1Cel 109. 3).

Sabendo que iria morrer, Francisco chamou cada frade e abençoou um a um, individualmente; depois, solicitou que o levassem para a cidade de Porciúncula.

Tendo descansado poucos dias em Porciúncula, lugar que ele mais amava, chamou dois frades e lhes mandou que cantassem em voz alta os Louvores do Senhor, na alegria do espírito, pela morte que o levaria para a vida eterna.

Ele mesmo começou a cantar o Salmo de Davi: “Em alta voz, clamo ao Senhor; em alta voz, suplico ao Senhor”. Mandou trazer o livro dos Evangelhos e pediu que lessem o trecho de São João, no lugar que começa: “Seis dias antes da Páscoa, sabendo Jesus que sua hora tinha chegado e devia passar deste mundo para o Pai...” (Jo 13.1).

Prostrado pela doença grave, que encerrou todos os seus sofrimentos, fez com que o colocassem nu sobre a terra nua, para que, naquela hora extrema, em que ainda podia enraivecer o inimigo, estivesse preparado para lutar nu, contra o adversário nu.

Na verdade, esperava, intrepidamente, o triunfo, e já apertava em suas mãos a coroa da justiça. Assim, posto no chão, sem a sua roupa de saco, voltou o rosto para o céu, como costumava e, todo concentrado naquela glória, cobriu a chaga do lado direito com a mão esquerda, para que não a vissem. E disse aos frades: ‘Eu fiz a minha parte; que Cristo vos ensine a cumprir a vossa!’ (2Cel 214.6-9)

                Depois, pediu que lhe pusessem um cilício e “jogassem cinzas por cima, porque, dentro em breve, seria pó e cinza”.

E depois faleceu. Assis recebeu milhares de pessoas, que louvavam a Deus pela vida tão singular de Francisco. “O bem-aventurado pai São Francisco, que teve a imagem e a forma de um Serafim, fez tudo isso com perfeição, porque perseverou na cruz e mereceu voar para a altura dos espíritos sublimes” (1Cel 115.1).

“Quando amanheceu, juntou-se a multidão de Assis com todo o clero e, carregando o corpo do lugar em que morrera, levaram-no para a cidade, entre hinos e louvores, tocando trombetas.

Cada um levava um ramo de oliveira ou de outras árvores, e seguiam solenemente o enterro, com muitas luminárias e cantando louvores em alta voz” (1Cel 116.2,3).

Francisco faleceu no dia 03 de outubro de 1226. Foi canonizado pelo Papa Gregório IX, no dia 16 de julho de 1228.

 

O que você destaca no texto?

Como serve para sua espiritualidade?

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