domingo, 2 de novembro de 2025

Comentário Devocional do Cântico das Criaturas - nos 800 anos.


Comentário Devocional do Cântico das Criaturas - nos 800 anos.

A criação que se torna oração

Por Ir. Rev. Edson — para a OFSE (Ordem Franciscana dos Servos Evangélicos)

O Cântico das Criaturas, composto por São Francisco de Assis em 1225, é mais do que poesia: é uma profissão de fé cósmica. Nascido do sofrimento e da contemplação, ele traduz o Evangelho em linguagem da criação. A OFSE, ao lê-lo em chave protestante, reconhece nele uma confissão que une o amor bíblico por Deus à gratidão pela obra de suas mãos.

“Altíssimo, onipotente, bom Senhor, teus são o louvor, a glória, a honra e toda bênção.”

Francisco inicia o Cântico com uma doxologia. Como nos salmos, o louvor não é opção, mas obrigação santa (Sl 150). A teologia reformada também começa aqui: Deus é o centro de toda glória. Como declara João Calvino (Institutas, I.1.2), “a verdadeira sabedoria consiste em conhecer a Deus e a si mesmo”. A OFSE reconhece que toda vocação franciscano-evangélica começa na contemplação do Altíssimo e termina no serviço humilde.

“Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o senhor irmão Sol...”

O Sol é símbolo da presença benevolente do Criador. Em Gênesis 1, o Sol e a Lua são servos de Deus, não divindades. Francisco, iluminado pela graça, os vê como irmãos. Lutero também afirmava que “todas as criaturas são máscaras de Deus” (WA 10/3, 392), isto é, instrumentos pelos quais Ele se revela. Assim, o servo da OFSE aprende a ver na natureza uma liturgia: cada raio de luz é um versículo do Evangelho natural que proclama a glória do Senhor (Sl 19.1).

“Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Lua e pelas estrelas...”

Francisco não adora os astros, mas adora o Criador que lhes deu ordem e esplendor. O monge Basílio Magno, em suas Homilias sobre a Criação (Hom. II), dizia: “Quando contemplas o céu, não te detenhas na beleza das estrelas, mas sobe em pensamento até o Criador.” A espiritualidade da OFSE retoma essa escada da contemplação: a beleza é um degrau, não o destino.

“Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão Vento, e pelo ar, e pelas nuvens, e pelo sereno e todo o tempo...”

Aqui se revela uma teologia da providência. Francisco louva o Deus que governa o clima, o invisível e o imprevisível. Em linguagem protestante, é o mesmo Deus que “faz nascer o seu sol sobre maus e bons” (Mt 5.45). Louvar o vento é confiar na soberania divina em meio às mudanças — uma lição para cada servo evangélico que vive o ministério em tempos incertos.

“Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Água... pelo irmão Fogo...”

Francisco contempla a utilidade das criaturas. A água purifica e o fogo aquece — sinais sacramentais da graça. João Wesley, em seu Sermão sobre os Meios de Graça (Sermão 16), ensina que “Deus se comunica a nós por instrumentos materiais, simples e visíveis.” A natureza, portanto, é um sacramental do amor de Deus, e a OFSE vê nela uma escola de humildade e dependência.

“Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã, a Mãe Terra...”

A terra é fecunda e paciente, como o próprio Cristo que, no silêncio do túmulo, germinou a nova criação. O servo franciscano evangélico aprende a amar o chão que pisa e a cuidar dele como mordomo do Reino (Gn 2.15). Lutero escreveu que “o trabalho do camponês é tão santo quanto o do pregador, pois ambos servem à criação de Deus” (WA 15, 664).

“Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor...”

Aqui o cântico se eleva do cosmos ao coração humano. O perdão é o milagre moral da criação redimida. É neste ponto que Francisco encontra o Cristo crucificado. A cruz é o verdadeiro sol da alma, e a OFSE, ao contemplar esse versículo, recorda que o maior louvor é suportar as dores com paz e intercessão.

“Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã, a Morte corporal...”

Francisco encerra com um canto de esperança. Para o mundo, a morte é silêncio; para o servo de Cristo, é o último versículo de um salmo que termina em glória. Paulo declarou: “Morrer é lucro” (Fp 1.21), e Wesley reafirmou: “O crente morre cantando.” A espiritualidade franciscano-evangélica acolhe essa verdade: quem vive em louvor morre em adoração.

Assim, o Cântico das Criaturas é, para a Ordem Franciscana dos Servos Evangélicos (OFSE), uma lectio divina da criação — um salmo maior, onde tudo canta o Evangelho. Cantar este cântico é confessar que Cristo é Senhor do visível e do invisível, e que “nele tudo subsiste” (Cl 1.17).

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

o Cântico das Criaturas e a Reforma Protestante


O Cântico da Criaturas e a Reforma

A espiritualidade franciscana protestante do louvor

Por Ir. Rev. Edson — para a OFSE (Ordem Franciscana dos Servos Evangélicos)

Em 1225, São Francisco de Assis entoou o Cântico das Criaturas, também chamado de Cântico do Irmão Sol, oferecendo à Igreja um dos mais belos testemunhos da integração entre fé e criação. O texto, nascido da pobreza e da contemplação, tornou-se uma das expressões mais puras da teologia do louvor. O que muitos esquecem é que esse mesmo espírito atravessou os séculos e reencontrou sua voz na Reforma Protestante, quando o louvor foi novamente reconhecido como resposta livre e viva à graça de Deus.

A OFSE, como expressão contemporânea do franciscanismo protestante, lê o Cântico das Criaturas à luz da Escritura e da Reforma, reconhecendo que, tanto em Francisco quanto em Lutero, há uma mesma paixão pelo Deus encarnado e pela bondade de sua criação. Ambos reagiram à espiritualidade fria e distante do seu tempo. Francisco o fez saindo dos palácios para cantar com os pobres; Lutero, saindo dos claustros para cantar com o povo de Deus.

Martinho Lutero afirmou: “A música é dom de Deus, não invenção humana; ela expulsa o demônio e torna as pessoas alegres” (WA 50, 370). O Cântico das Criaturas reflete o mesmo princípio: a criação é uma sinfonia que louva o Criador. Assim como Lutero traduziu os salmos para que o povo pudesse cantar a fé, Francisco traduziu a criação em louvor para que toda a natureza se tornasse oração.

A teologia reformada da criação, expressa em João Calvino (Institutas, I.14.20), reforça essa mesma visão: “Toda a criação é um espelho no qual podemos contemplar a glória de Deus”. Francisco, sete séculos antes, já havia contemplado essa glória ao chamar o sol, o vento e a água de irmãos e irmãs. Na espiritualidade da OFSE, esses ecos se encontram — a humildade franciscana e a reverência reformada formam uma única melodia de adoração.

Mas o louvor franciscano-protestante não é apenas estético; ele é ético e missionário. Como recorda João Wesley, “a santidade não é outra coisa senão amor em ação” (Sermão 92, Sobre a Santidade Interior e Exterior). O cântico torna-se missão quando se transforma em cuidado, quando o servo evangélico vê no irmão, na criação e nos pobres o rosto de Cristo sofredor. Assim, o louvor se faz serviço.

A Ordem Franciscana dos Servos Evangélicos (OFSE) vive, portanto, essa herança de maneira encarnada: cantar é evangelizar, louvar é servir, contemplar é cuidar. No cântico e na cruz, o servo franciscano reconhece que “dele, por ele e para ele são todas as coisas” (Rm 11.36).

O Cântico das Criaturas, relido à luz da Reforma, é uma ponte espiritual entre Assis e Wittenberg. Em ambos, o Evangelho é redescoberto como liberdade e gratidão. Na OFSE, celebramos esse cântico não como relíquia medieval, mas como oração viva do coração protestante que crê, trabalha e louva — porque, em Cristo, “toda a criação geme e aguarda” (Rm 8.22), mas também canta a esperança de sua redenção.



terça-feira, 28 de outubro de 2025

O Louvor no Sofrimento - O Cântico das Criaturas como oração de esperança

O Louvor no Sofrimento - O Cântico das Criaturas como oração de esperança.

Por Ir. Rev. Edson — para a OFSE (Ordem Franciscana dos Servos Evangélicos)

Francisco de Assis compôs o Cântico das Criaturas no ocaso de sua vida terrena, já marcado pela dor, quase cego e carregando em seu corpo os estigmas do Cristo Crucificado. O louvor que nasce nesse contexto não é fruto de um romantismo ingênuo, mas de uma fé pascal que transforma a dor em adoração. Em Francisco, o sofrimento não silencia a alma: torna-se cântico, torna-se evangelho vivido.

É significativo que o Cântico tenha sido escrito quando ele se encontrava enfermo em São Damião (1225), “cheio de dores nos olhos e de fraqueza no corpo”, como relata Tomás de Celano (Vita Secunda, cap. 165). E mesmo assim, “Francisco começou a louvar o Senhor pelas suas criaturas, dizendo: ‘Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas’”. O louvor brota, portanto, do meio da cruz — e é por isso que ele tem poder redentor.

A OFSE, seguindo o carisma do Pobrezinho de Assis, reconhece que o louvor verdadeiro é aquele que nasce da comunhão com o Cristo crucificado. O apóstolo Paulo escreveu: “para que eu conheça Cristo, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos” (Fp 3.10). Esse é também o caminho franciscano-evangélico: louvar não apenas quando há luz, mas quando a sombra se faz mais densa.

Martinho Lutero, em sua Teologia da Cruz (WA 5, 163), afirmou que “o verdadeiro teólogo é aquele que conhece Deus através da cruz e do sofrimento”. Francisco conheceu o Criador nas feridas do mundo. E por isso podia chamar o fogo, o vento e até a “irmã morte corporal” de irmãs suas — porque todas as coisas foram reconciliadas em Cristo (Cl 1.20).

O louvor franciscano é, portanto, profundamente evangélico e escatológico. Ele proclama, como João Wesley pregou em seu sermão Sobre a Perfeição Cristã (Sermão 40), que “a alegria perfeita não está na ausência da dor, mas na presença constante do amor de Deus”. A OFSE herda essa mística da esperança: cada irmão e irmã é chamado a cantar a fidelidade do Senhor mesmo entre as feridas da história.

Quando o servo franciscano evangélico ora e canta, ele une sua voz à do próprio Cristo, que na cruz entoou o Salmo 22. É o mesmo louvor que transforma a noite em aurora, a perda em promessa. Louvar, neste caminho, é resistir à desesperança, é confessar que a graça é mais forte que o sofrimento.

Como escreveu São Francisco: “Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor e suportam enfermidade e tribulação. Bem-aventurados aqueles que as suportam em paz, pois por ti, Altíssimo, serão coroados.” (Cântico das Criaturas).

Que a OFSE continue a testemunhar, no meio do mundo ferido, este cântico que vence a dor com amor — para a glória do Altíssimo, que faz novas todas as coisas.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Francisco e a Teologia da Criação.800 anos do Cântico das Criaturas


Francisco e a Teologia da Criação.
800 anos do Cântico das Criaturas. 

Ao contemplar os céus, o sol, a lua, o vento, a água, o fogo e a terra, Francisco de Assis exprimiu uma fé que se torna missão e cântico: a criação inteira é dom de Deus, reflexo do seu amor e chamada à adoração. Neste texto para a formação da OFSE, examinamos como essa visão se articula com a teologia protestante-reformada, abrindo caminho para uma espiritualidade franciscana evangélica.

1. A criação como dom e revelação

Francisco inicia o seu célebre cântico com estas palavras:

> “Altíssimo, onipotente, bom Senhor, a ti pertencem o louvor, a glória e toda bênção … Louvado sejais, meu Senhor, com todas as tuas criaturas…” (versão do *Cântico das Criaturas). 
Aqui se revela um primeiro princípio: a criação é manifestação de Deus — não um fim em si mesma — e por isso «com todas as tuas criaturas» se dirige ao Senhor. Francisco reconhece que todas as criaturas são irmãs e irmãos (“irmão sol”, “irmã água” etc.), não como divindades, mas como portadoras de significado sacramental:
“Francisco nos recorda que a criação revela a presença de Deus quando é engajada de forma apropriada” 
No contexto reformado, essa ideia ecoa a afirmação de João Calvino de que “a obra da criação e a constante governação do universo” manifesta o conhecimento de Deus (Institutas I.5) e que tudo foi criado “desde o nada” com perfeição (Institutas I.15) . Assim, a criação torna-se um palco teológico: revela o Criador e exige do criatura-ser humano uma postura de gratidão, humildade e culto.


2. Humanidade, criação e cruz

Francisco não trata o ser humano como alheio à criação, mas como parte dela: “irmão” ao sol, “irmã” à terra. Ele rompe com o dualismo sagrado-profano, sendo coerente com uma teologia da encarnação e da cruz: a redenção não exclui o mundo criado, mas o abraça em Cristo (cf. Colossenses 1.20). Nesse sentido, a criação não é mero cenário, mas companheira da salvação.
No horizonte reformado, Calvino afirma que o ser humano foi criado à imagem de Deus (Gen 1.26-27) e que essa imagem implica sabedoria, justiça e santidade, “mas em forma finita” para o homem.  A teologia da criação, para a OFSE, deve lembrar que a redenção integral alcança não apenas a alma humana mas todo o cosmos — em aliança com o Criador e com as criaturas.

3. A criação como liturgia e missão

O cântico de Francisco, composto por volta de 1224-25 (próximo aos seus últimos anos), enquanto estava enfermo e frágil, torna-se oração e missão: louvar o Senhor “com” todas as criaturas.  Para a OFSE, esse gesto nos convida a viver uma liturgia universal: a natureza, a fraternidade, o serviço, a pobreza libertam-nos da tirania da exploração da criação e nos inserem no cuidado, no louvor e na intercessão.
Calvino, nesse sentido, alerta que a doutrina da criação serve “à utilização” prática: “o fim da doutrina é levar ao amor e ao temor de Deus”.  A criação, portanto, não é objeto passivo, mas campo de vocação: o cristão franciscano-evangélico ora, serve e testemunha entre as criaturas, reconhecendo-as como irmãs e irmãos — e ao mesmo tempo adorando o Criador.

4. Aplicação formativa para a OFSE

Como irmãos e irmãs da OFSE, sob o manto da OESI, somos chamados a viver esta teologia da criação em três dimensões práticas:

Contemplação agradecida: reconhecer a criação como obra de Deus e convocar-a a louvar, como Francisco o fez. Em momentos de silêncio orante, deixar que o “irmão sol” e a “irmã lua” falem ao nosso espírito.

Serviço humilde: entrar na criação como servidor, não como senhor. Em atitudes de simplicidade, pobreza evangélica e carinho ecológico, manifestamos a reconciliação trazida pela cruz.

Missão intercessora: a criação geme (Rm 8.22) e clama por redenção. Como ordem de servos intercessores, unimo-nos à criação em súplica ao Criador, para que a reconciliação em Cristo se manifeste também no âmbito ecológico e comunitário.


Conclusão

A teologia da criação de Francisco e o marco reformado de Calvino não são opostos, mas se mutuamente enriquecem. Francisco nos ensina a louvar com todas as criaturas, e Calvino a entender que os céus e a terra proclamam a glória de Deus (Sl 19.1; Instituto I.5). Que a OFSE viva esse chamado com fé, humildade e serviço — para que o louvor que começou há 800 anos no “Cântico das Criaturas” se prolongue hoje em oração, missão e cuidado da criação.

> “Louvado seja o Senhor, que nos chama a viver reconciliados com a criação, com o próximo e com o Evangelho da cruz.”


Amém. 

Ao contemplar os céus, o sol, a lua, o vento, a água, o fogo e a terra, Francisco de Assis exprimiu uma fé que se torna missão e cântico: a criação inteira é dom de Deus, reflexo do seu amor e chamada à adoração. Neste texto para a formação da OFSE, examinamos como essa visão se articula com a teologia protestante-reformada, abrindo caminho para uma espiritualidade franciscana evangélica.

1. A criação como dom e revelação

Francisco inicia o seu célebre cântico com estas palavras:

> “Altíssimo, onipotente, bom Senhor, a ti pertencem o louvor, a glória e toda bênção … Louvado sejais, meu Senhor, com todas as tuas criaturas…” (versão do *Cântico das Criaturas). 
Aqui se revela um primeiro princípio: a criação é manifestação de Deus — não um fim em si mesma — e por isso «com todas as tuas criaturas» se dirige ao Senhor. Francisco reconhece que todas as criaturas são irmãs e irmãos (“irmão sol”, “irmã água” etc.), não como divindades, mas como portadoras de significado sacramental:
“Francisco nos recorda que a criação revela a presença de Deus quando é engajada de forma apropriada” 
No contexto reformado, essa ideia ecoa a afirmação de João Calvino de que “a obra da criação e a constante governação do universo” manifesta o conhecimento de Deus (Institutas I.5) e que tudo foi criado “desde o nada” com perfeição (Institutas I.15) . Assim, a criação torna-se um palco teológico: revela o Criador e exige do criatura-ser humano uma postura de gratidão, humildade e culto.


2. Humanidade, criação e cruz

Francisco não trata o ser humano como alheio à criação, mas como parte dela: “irmão” ao sol, “irmã” à terra. Ele rompe com o dualismo sagrado-profano, sendo coerente com uma teologia da encarnação e da cruz: a redenção não exclui o mundo criado, mas o abraça em Cristo (cf. Colossenses 1.20). Nesse sentido, a criação não é mero cenário, mas companheira da salvação.
No horizonte reformado, Calvino afirma que o ser humano foi criado à imagem de Deus (Gen 1.26-27) e que essa imagem implica sabedoria, justiça e santidade, “mas em forma finita” para o homem. A teologia da criação, para a OFSE, deve lembrar que a redenção integral alcança não apenas a alma humana mas todo o cosmos — em aliança com o Criador e com as criaturas.

3. A criação como liturgia e missão

O cântico de Francisco, composto por volta de 1224-25 (próximo aos seus últimos anos), enquanto estava enfermo e frágil, torna-se oração e missão: louvar o Senhor “com” todas as criaturas. Para a OFSE, esse gesto nos convida a viver uma liturgia universal: a natureza, a fraternidade, o serviço, a pobreza libertam-nos da tirania da exploração da criação e nos inserem no cuidado, no louvor e na intercessão.
Calvino, nesse sentido, alerta que a doutrina da criação serve “à utilização” prática: “o fim da doutrina é levar ao amor e ao temor de Deus”. A criação, portanto, não é objeto passivo, mas campo de vocação: o cristão franciscano-evangélico ora, serve e testemunha entre as criaturas, reconhecendo-as como irmãs e irmãos — e ao mesmo tempo adorando o Criador.

4. Aplicação formativa para a OFSE

Como irmãos e irmãs da OFSE, sob o manto da OESI, somos chamados a viver esta teologia da criação em três dimensões práticas:

Contemplação agradecida: reconhecer a criação como obra de Deus e convocar-a a louvar, como Francisco o fez. Em momentos de silêncio orante, deixar que o “irmão sol” e a “irmã lua” falem ao nosso espírito.

Serviço humilde: entrar na criação como servidor, não como senhor. Em atitudes de simplicidade, pobreza evangélica e carinho ecológico, manifestamos a reconciliação trazida pela cruz.

Missão intercessora: a criação geme (Rm 8.22) e clama por redenção. Como ordem de servos intercessores, unimo-nos à criação em súplica ao Criador, para que a reconciliação em Cristo se manifeste também no âmbito ecológico e comunitário.


Conclusão

A teologia da criação de Francisco e o marco reformado de Calvino não são opostos, mas se mutuamente enriquecem. Francisco nos ensina a louvar com todas as criaturas, e Calvino a entender que os céus e a terra proclamam a glória de Deus (Sl 19.1; Instituto I.5). Que a OFSE viva esse chamado com fé, humildade e serviço — para que o louvor que começou há 800 anos no “Cântico das Criaturas” se prolongue hoje em oração, missão e cuidado da criação.

> “Louvado seja o Senhor, que nos chama a viver reconciliados com a criação, com o próximo e com o Evangelho da cruz.”


Amém.

domingo, 26 de outubro de 2025

800 anos do Cântico das Criaturas — Uma celebração franciscana protestante


800 Anos do Cântico das Criaturas

Uma Celebração Franciscana Protestante

Por Irmão Rev. Edson — OESI | Movimento Franciscano Protestante

OFSE Ordem Franciscana dos Servos Evangélicos.

“Louvai ao Senhor desde os céus; louvai-o nas alturas!
Louvai-o, sol e lua; louvai-o, todas as estrelas luzentes.”
(Salmo 148.1,3)

Neste ano de 2025, a Igreja de Cristo celebra os 800 anos do Cântico das Criaturas (Cântico do Irmão Sol), composto por Francisco de Assis em torno de 1225, no silêncio orante do mosteiro de São Damião. Doente, quase cego e exaurido, o santo transformou sua dor em louvor — compondo uma das mais belas orações poéticas da história cristã.

Francisco não canta a si mesmo, mas ao Senhor Criador, a quem chama de “Altíssimo, onipotente e bom Senhor”. Em cada elemento da natureza ele reconhece a presença do amor divino: o sol que aquece, a lua que ilumina, a água que purifica, a terra que alimenta. Tudo é dom; nada é posse. Em seu olhar, a criação inteira se torna um ícone do Evangelho, revelando a ternura e a glória do Criador.

O Cântico das Criaturas nasce da mesma fé dos Salmos 8, 19 e 148, onde toda a criação é chamada à adoração. Francisco retoma essa harmonia original e a transforma em vida orante, recordando-nos que adorar é também contemplar. O mundo é o grande templo de Deus, e o louvor pode brotar tanto do altar quanto do jardim, do canto das aves, do trabalho humano e do silêncio da alma.

Para nós, do movimento franciscano protestante e da OESI, celebrar este jubileu é proclamar que o Evangelho reconcilia não apenas o ser humano com Deus, mas todas as coisas (Cl 1.20). A criação, ferida e gemendo, é chamada novamente à comunhão com o Criador. É o cântico da redenção que ecoa através dos séculos.

O Cântico das Criaturas permanece um chamado à simplicidade, à gratidão e à vida reconciliada. É uma confissão de fé em forma de poesia — um Evangelho cantado que une espiritualidade, ecologia e esperança.

“Louvado seja o Senhor, que nos chama a viver reconciliados com a criação, com o próximo e com o Evangelho da cruz.”


🌿 O Cântico das Criaturas

(Versão Protestante Contemporânea — inspirada em Francisco de Assis)

Louvado sejas, Senhor meu Deus,
por todas as tuas criaturas,
pelo sol que clareia o dia
e anuncia a tua bondade.

Louvado sejas, Senhor,
pela lua e pelas estrelas,
que brilham serenas nas noites,
lembrando tua fidelidade.

Louvado sejas, Senhor,
pelo vento e pelas nuvens,
pelo ar que sustenta a vida
e pelo sopro do teu Espírito.

Louvado sejas, Senhor,
pela irmã água, tão pura e humilde,
que nos lava, refresca e sustenta
como o batismo renova o coração.

Louvado sejas, Senhor,
pelo irmão fogo,
que ilumina a noite e aquece a casa,
símbolo da tua presença ardente.

Louvado sejas, Senhor,
pela irmã terra, nossa mãe,
que nos alimenta com flores e frutos,
e nos ensina a humildade do pó.

Louvado sejas, Senhor,
por todos os que perdoam por amor,
que servem e sofrem em paz,
porque neles habita o teu Reino.

Louvado sejas, Senhor,
pela irmã morte corporal,
da qual ninguém pode fugir;
mas felizes são os que em Cristo morrem,
pois ressuscitarão para a tua glória.

A ti, ó Altíssimo,
sejam o louvor, a glória e a honra.
Tudo é teu, Senhor da vida;
e somente a ti pertence o cântico eterno.
Amém.


🕯️ Uma Palavra Final

O Cântico das Criaturas é, há oito séculos, um testemunho de que o verdadeiro louvor nasce do coração que confia. Francisco, cego e enfermo, enxergou o mundo com os olhos da fé — e descobriu que toda a criação é uma pregação silenciosa do Evangelho.

Que o Senhor da Vida renove em nós essa visão pascal:
que saibamos ver Cristo em tudo,
amar com gratidão,
servir com humildade,
e cantar, com toda a criação,
“Louvado seja o Senhor, meu Deus!”



quarta-feira, 15 de outubro de 2025

São Francisco de Assis: O Pedagogo.

São Francisco de Assis, o Pedagogo: Uma Leitura Protestante da Sabedoria Franciscana

> “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração.” (Mateus 11:29, NAA)

Entre os muitos títulos dados a São Francisco de Assis — o Pobrezinho de Cristo, o Amigo das Criaturas, o Santo de Assis — poucos percebem o quanto ele foi, acima de tudo, um pedagogo espiritual. Não no sentido formal da educação, mas como mestre da alma e formador de consciências. Sua vida tornou-se uma verdadeira escola do Evangelho, onde cada gesto, palavra e silêncio ensinavam algo sobre o discipulado de Cristo.


1. A pedagogia da conversão

As Fontes Franciscanas, particularmente o Testamento, revelam que Francisco não começou sua vida como santo, mas como alguém profundamente educado pelo Espírito Santo por meio da dor e da revelação. Ele confessa:

> “O Senhor deu a mim, Frei Francisco, a graça de começar a fazer penitência; pois, como eu vivia em pecados, parecia-me muito amargo ver os leprosos; e o Senhor mesmo me conduziu entre eles e usei de misericórdia com eles. E quando me afastei deles, o que me parecia amargo se converteu em doçura de alma e de corpo.”
(Testamento, 1-3; Fontes Franciscanas [FF] 110)


Nesse testemunho, vemos o método pedagógico de Deus na vida de Francisco: a transformação pelo encontro. Deus não o educou por discursos, mas pela experiência concreta da misericórdia. Assim como Jesus educou seus discípulos na convivência e no serviço, também Francisco foi formado na escola do sofrimento e da compaixão.


2. O ensinamento pelas obras

Muitos atribuem a São Francisco a frase: “Pregai o Evangelho em todo tempo; se necessário, use palavras.”
Contudo, estudos críticos e edições das Fontes Franciscanas (incluindo Speculum Perfectionis e Fioretti) mostram que essa citação não aparece literalmente em nenhum escrito autêntico de Francisco. Ela é, na verdade, uma paráfrase moderna inspirada por um princípio que ele realmente escreveu em sua Regra não Bulada (1221):

> “Omnes tamen fratres operibus praedicent.”
— “Que todos, porém, os irmãos preguem pelas suas obras.”
(Regula non bullata, cap. XVII, v. 3; FF 45)

Aqui encontramos o verdadeiro coração da pedagogia franciscana: o testemunho silencioso, o ensino pelo exemplo, a coerência entre fé e vida. Francisco não opunha palavra e ação — ele as unia no mesmo movimento do Espírito, onde a pregação se torna vida encarnada.

Para nós, protestantes, esse princípio encontra eco em Tiago 1:22 — “Sede praticantes da palavra, e não somente ouvintes.” Assim, o pedagogo de Assis nos recorda que o Evangelho mais convincente é aquele que se torna visível no comportamento dos redimidos.


3. A pedagogia da humildade

O Fioretti — as “pequenas flores” da tradição franciscana — registram que Francisco via a humildade como a base de toda formação espiritual. Numa passagem marcante, lê-se:

> “Um dia, disse o bem-aventurado Francisco: ‘Tens certeza, irmão, de que sabes o que é ser verdadeiramente humilde? É quando, diante das injúrias e dos insultos, permaneces alegre por amor de Cristo.’”
(Fioretti, cap. VI; FF 1843)

Trata-se de uma pedagogia do Calvário: aprender o amor na humilhação, a paciência na ofensa, a alegria na cruz.
A humildade não era para Francisco uma teoria moral, mas um exercício prático da fé — uma escola do coração moldada pelo Espírito Santo.


4. Uma leitura protestante da pedagogia franciscana

Para os teólogos protestantes, especialmente na tradição metodista e reformada, a santificação é também um processo pedagógico.
John Wesley chamava esse processo de “school of Christ” — a escola de Cristo. Ele escreveu:

> “A santidade não é recebida num instante, mas aprendida pela convivência com o Santo. Cristo é nosso Mestre, e nós, seus alunos.”
(Sermon 85: On Working Out Our Own Salvation, Works of John Wesley)



Aqui, Francisco e Wesley se encontram: ambos acreditam que a vida cristã é um aprendizado contínuo de amor.
Enquanto Wesley falava do “caminho da perfeição cristã”, Francisco vivia a “vida de penitência”, ambas expressões da mesma pedagogia divina — o discipulado que nos conforma à imagem de Cristo.


5. Conclusão: o educador do coração

São Francisco de Assis não escreveu tratados teológicos, mas sua vida foi um catecismo vivo.
Ensinou com os pés descalços, com as lágrimas e com o cântico.
Sua escola não tinha paredes, mas campos e praças; não tinha livros, mas gestos e orações.

Em tempos de erudição sem piedade e de fé sem prática, sua pedagogia é um apelo à coerência evangélica.
O protestante que contempla Francisco pode, sem idolatria, reconhecer nele um educador do discipulado, alguém que nos recorda que aprender Cristo é o maior de todos os saberes.

> “O verdadeiro saber é amar a Deus.”
(Admoestação 27; FF 178)

E quem melhor do que Francisco para ensinar essa lição que nenhum diploma concede, mas que o Espírito Santo grava no coração?



Referências Primárias (Fontes Franciscanas)

Regula non bullata (1221), cap. XVII, 3 – “Omnes tamen fratres operibus praedicent.” (FF 45).

Testamento de São Francisco – vv. 1-3 (FF 110).

Admoestações, n. 27 (FF 178).

I Fioretti di San Francesco, cap. VI (FF 1843).

Speculum Perfectionis — não contém a frase “Pregai o Evangelho em todo tempo...”, confirmando a misatribuição.


Referências Secundárias

Francis of Assisi: Early Documents, ed. Regis J. Armstrong, J. A. Wayne Hellmann, William J. Short (New York: New City Press, 1999–2001).

Franciscan Media, “Did St. Francis Really Say That?” (2023).

The Gospel Coalition, “FactCheck: Preach the Gospel, If Necessary Use Words.” (2020).

Aleteia, “St. Francis Never Said ‘Preach the Gospel, Use Words if Necessary’.” (2018).

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

O Dia da Morte se São Francisco de Assis. de protestante para protestante.

O Dia da Morte de Francisco de Assis – 04 de outubro de 1226

Uma reflexão protestante para protestantes

No dia 4 de outubro de 1226, em Assis, na Itália, faleceu um dos cristãos mais conhecidos da história da Igreja: Francisco de Assis. Ainda que pertença ao período medieval e esteja ligado a tradições que depois a Reforma Protestante questionaria, sua vida permanece como um testemunho inspirador para todos os que seguem a Jesus Cristo.

Francisco não foi um reformador no sentido doutrinário, mas foi um homem que, em meio a um cristianismo institucionalizado e muitas vezes corrompido pelo poder e pela riqueza, buscou viver de modo simples, tomando o evangelho ao pé da letra. Ele acreditava que, se Cristo é Senhor, então a vida do discípulo deve refletir essa realidade em humildade, compaixão e obediência.

Quando lembramos o dia de sua morte, não o fazemos para venerar um santo, mas para recordar que Deus levanta testemunhas em todas as épocas. Francisco morreu cantando salmos, entregando-se ao Senhor, como quem desejava que a sua vida fosse toda uma oração. Sua última atitude foi a de confiança plena em Cristo — e este é o exemplo que permanece para nós.

A Escritura nos ensina:

> "Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo." (1Co 11.1)



Nesse sentido, a lembrança de Francisco nos convida a não imitarmos homens por si mesmos, mas a observar como homens e mulheres, em sua fraqueza, podem espelhar o evangelho. Francisco nos lembra que a vida cristã não é acumular títulos, mas seguir o Cordeiro de Deus em simplicidade.

No dia 04 de outubro, quando recordamos sua partida, que possamos pensar não em tradições humanas, mas naquilo que é eterno:

a necessidade de viver com humildade diante de Deus,

o chamado para servir aos pobres e marginalizados,

e a urgência de viver cada dia como peregrinos neste mundo, aguardando a Cidade Celestial (Hb 13.14).


Francisco morreu em 1226, mas o Cristo que ele buscou seguir continua vivo e reinando. E é a esse Senhor que prestamos culto e a quem devemos obediência.