quinta-feira, 7 de março de 2013




Inês e Clara de Assis: Discipulado Franciscano Radical

            Por que uma pessoa rica, herdeira da nobreza, deixa tudo e vai seguir Jesus de forma radical?
            Qual a alegria em deixar tudo para seguir o Senhor Jesus?
            Tenho coragem de deixar tudo por Jesus Cristo?
            A vida de Inês e a Carta de Clara de Assis para Inês são reflexões sérias de pessoas que amaram Jesus até as últimas consequências.
            Até que ponto amamos verdadeiramente Jesus?
            O que desejamos em troca quando vamos a Igreja?
            Somos realmente discípulos de Jesus ou discípulos dos nossos próprios interesses?

            Vamos conhecer a vida de Inês.
            Inês de Praga, ou da Boêmia, foi filha do rei Otocar I da Boêmia e da rainha Constância da Hungria.
            Nasceu em 1205 e morreu em 1282. Foi prometida como noiva a diversos príncipes, inclusive ao futuro Herique VII, que seria imperador.
            Teve uma educação esmerada, em diversos mosteiros e cortes. Sempre se dedicou às obras de caridade e, depois que conheceu os frades menores, que chegaram à sua cidade em 1225, animada também pelo testemunho de sua prima Isabel da Hungria, decidiu ser clarissa.
            Construiu uma grande obra, em que havia um hospital, um mosteiro e uma igreja de São Francisco.
            Entrou para a Ordem em 1234, com grande repercussão em toda a cristandade. Mesmo sem nunca terem tido a oportunidade de se conhecerem pessoalmente, ela e Clara estabeleceram uma profunda amizade.

            As Cartas a Inês
            As cartas são o ponto alto dos escritos de Clara. Nelas nós a encontramos mais livre, pois não tinha que pensar na instituição de sua Ordem.
            É muito pessoal e solta em uma rica doutrina espiritual. Sua visão de contemplação é o melhor que temos no franciscanismo primitivo.
            Seu tema é sempre Jesus Cristo, mas quatro aspectos fundamentais devem ser destacados: Jesus Cristo é crucificado, Jesus Cristo é pobre, Jesus Cristo é o esposo e a entrega a ele é feita em uma virgindade cada vez maior.
            Mesmo quando não fala de si mesma, Clara deixa evidente que está apresentando uma doutrina que primeiro foi vivida intensamente por ela. Sua experiência de pobre, de contemplativa, de alegre esposa, é vibrante.
            É também nas cartas que Clara mostra melhor sua grande capacidade de escritora: concisa, clara, carinhosa, rica de citações que mostram como seus interesses eram diversificados, embora sempre na linha da espiritualidade.
           
Primeira Carta de Clara a Inês:

1 À venerável e santa virgem, dona Inês, filha do excelentíssimo e ilustríssimo rei da Boêmia,
2 Clara, indigna fâmula de Jesus Cristo e serva inútil das senhoras enclausuradas do mosteiro de São Damião, sua serva sempre submissa, recomenda-se inteiramente e deseja, com especial reverência, que obtenha a glória (cfr. Sir 50,5) da felicidade eterna.
3 Sabedora da boa fama de vosso santo comportamento e vida, que não só chegou até mim, mas foi esplendidamente divulgada em quase toda a terra, muito me alegro e exulto no Senhor (cfr. Hab 3,18). 
4 Disso posso exultar tanto eu mesma como todos os que prestam serviço a Jesus Cristo ou desejam fazê-lo.
5 Porque, embora pudésseis gozar, mais do que outros, das pompas e honras deste mundo, desposando legitimamente, com a maior glória, o ilustre imperador, como teria sido conveniente à vossa excelência e à dele,
6 rejeitastes tudo isso e preferistes a santíssima pobreza e as privações corporais, com toda a alma e com todo o afeto do coração,
7 tomando um esposo da mais nobre estirpe, o Senhor Jesus Cristo, que guardará vossa virgindade sempre imaculada e intacta.
8 Amando-o, sois casta; tocando-o, tornar-vos-eis mais limpa; acolhendo-o, sois virgem.
9 Seu poder é mais forte, sua generosidade mais elevada, seu aspecto é mais belo, o amor mais suave, e toda a graça mais elegante.
10 Já estais tomada pelos abraços daquele que ornou vosso peito com pedras preciosas e colocou em vossas orelhas pérolas inestimáveis.
11 Ele vos envolveu de gemas primaveris e coruscantes e vos deu uma coroa de ouro marcada com o sinal da santidade (Sir 45,14). 
12 Portanto, irmã caríssima, ou melhor, senhora muito digna de veneração, porque sois esposa, mãe e irmã (cfr. 2Cor 11,2; Mat 12,50) do meu Senhor Jesus Cristo, 
13 destacada pelo esplendor do estandarte da inviolável virgindade e da santíssima pobreza, ficai firme no santo serviço do pobre Crucificado, ao qual vos dedicastes com amor ardente.
14 Ele suportou por todos nós a paixão (Hb 12,2) da cruz e nos arrancou do poder do príncipe das trevas (Col 1,13), que nos acorrentava pela transgressão de nosso primeiro antepassado, e nos reconciliou (2Cor 5,18) com Deus Pai. 
15 Ó bem-aventurada pobreza, que àqueles que a amam e abraçam concede as riquezas eternas
16 Ó santa pobreza, aos que a têm e desejam Deus prometeu o reino dos céus (cfr. Mat 5,3), e são concedidas sem dúvida alguma a glória eterna e a vida feliz! 
17 Ó piedosa pobreza, que o Senhor Jesus Cristo dignou-se abraçar acima de tudo, ele que regia e rege o céu e a terra, ele que disse e tudo foi feito(Sl 32,9; 148,5)! 
18 Pois disse que as raposas têm tocas e os passarinhos têm ninhos mas o Filho do Homem, Jesus Cristo, não tem onde reclinar a cabeça (Mt 8,20). Mas,inclinando a cabeça, entregou o espírito (Jo 19,30). 
19 Portanto, se tão grande e elevado Senhor, vindo a um seio virginal, quis aparecer no mundo desprezado,
20 indigente e pobre, para que os homens, paupérrimos e miseráveis, na extrema indigência do alimento celestial, nele se tornassem ricos possuindo os reinos celestes,
21 vós tendes é que exultar e vos alegrar (cfr. Hab 3,18) muito, repleta de imenso gáudio e alegria espiritual, 
22 pois tivestes maior prazer no desprezo do século que nas honras, preferistes a pobreza às riquezas temporais e achastes melhor guardar tesouros no céu que na terra,
23 porque lá nem a ferrugem consome nem a traça rói, e os ladrões não saqueiam nem roubam (Mt 6,20). Vossa recompensa será enorme nos céus(Mt 5,12),
24 e merecestes ser chamada com quase toda a dignidade de irmã, esposae mãe (cfr. 2Cor 11,2; Mt 12,50) do Filho do Pai Altíssimo e da gloriosa Virgem.
25 Creio firmemente que sabeis que o reino dos céus não é prometido e dado pelo Senhor senão aos pobres (cfr. Mt 5,3), porque, quando se ama uma coisa temporal, perde-se o fruto da caridade.
26 Sabeis que não se pode servir a Deus e às riquezas, porque ou se ama a um e se odeia às outras, ou serve-se a Deus e desprezam-se as riquezas (cfr. Mt 6,24).
27 Sabeis que vestido não pode lutar com nu, pois vai mais depressa ao chão quem tem onde ser agarrado.
28 Sabeis que não dá para ser glorioso no mundo e lá reinar com Cristo, e que é mais fácil o camelo passar pelo buraco da agulha que o rico subir ao reino do céu (cfr. Mat 19,24).
29 Por isso vos livrastes das vestes, isto é, das riquezas temporais, para não sucumbir de modo algum ao lutador e poder entrar no reino dos céus pelo caminho duro e pela porta estreita (cfr. Mt 7,13-14).
30 Que troca maior e mais louvável: deixar as coisas temporais pelas eternas, merecer os bens celestes em vez dos terrestres, receber cem por um e possuir a vida (cfr. Mt 19,29) feliz para sempre!
31 Por isso achei bom suplicar vossa excelência e santidade, na medida do possível, com humildes preces, nas entranhas de Cristo (cfr. Fp 1,8), que vos deixeis fortalecer no seu santo serviço,
32 crescendo de bem para melhor, de virtude em virtude (cfr. Sl 83,8), para que aquele que servis com todo desejo do coração digne-se dar-vos os desejados prêmios.
33 Quanto me é possível, também vos suplico no Senhor que vos lembreis em vossas santas preces (cfr. Ro 15,30) de mim, vossa serva, embora inútil, e das outras Irmãs que vivem comigo no mosteiro e vos apreciam.
34 Que com a ajuda dessas preces possamos merecer a misericórdia de Jesus Cristo, para gozar junto a vós da eterna visão.
35 Que o Senhor vos guarde. Orai por (cfr. 1Te 5,25) mim.